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Estela

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compreenderiam com maior proveito um tratado técnico; veriam<br />

o que ali não existe. Conheci um honrado homem que após ter<br />

lido certo tratado de Astronomia muito bem feito, o de Delaunay,<br />

veio dizer-me que, segundo compreendera, a Terra não girava.<br />

No entanto, o livro era de pura Cosmografia.<br />

– E eu, replicou o médico, tive um doente, doente imaginário,<br />

que passava o tempo tateando o pulso, observando a língua,<br />

estudando a sua própria alimentação e a ler livros de Medicina.<br />

Um belo dia, sentindo qualquer coisa no coração e não sei mais<br />

que embaraço gástrico, reconheceu-se atingido de quase todos os<br />

sintomas da gravidez! Esse também lera mal. Nenhum autor<br />

pode orgulhar-se de ser compreendido de igual modo por todos<br />

os seus leitores. E principalmente nenhum pode ufanar-se de<br />

agradar a todo o mundo.<br />

– Tudo que os senhores queiram, disse o politecniano, mas<br />

nunca me farão apreciar o seu cenobita da montanha.<br />

– Mas, interrompeu <strong>Estela</strong>, por acaso não é útil a um sábio<br />

conhecer assuntos diferentes na aparência, mas que se esclarecem<br />

mutuamente? Por exemplo, um filósofo poderia ignorar a<br />

Astronomia e crer que a Terra existe sozinha no Universo? Ou<br />

um físico poderá ignorar a Química?<br />

– Sem dúvida que não, senhorita; mas, repito: esse original<br />

não é um sábio, é um literato, um poeta, um jornalista.<br />

– Pois bem, eu, disse o vigário de Bagnères, que a muito custo<br />

se contivera até então, irei mais longe e declararei que esse<br />

homem é um malfeitor!<br />

A essa afirmação bastante inesperada, apesar do calor da discussão,<br />

o conde saltou da cadeira...<br />

– Malfeitor! Esse grande escritor, esse sábio, esse gênio!...<br />

– Gênio do mal! Sim, senhor conde, um malfeitor. Ele perturba<br />

as consciências, mina a tradição, destrói a obra secular dos<br />

preceptores da Humanidade. A Revelação nada tem a recear,<br />

pois que é de instituição divina, e as portas do inferno não prevalecerão<br />

contra ela. É um demolidor. E o que oferece em troca?<br />

– A Verdade, pura e simplesmente, respondeu o conde.

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