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Estela

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pode assemelhar-se à nossa, mas por isso que transfigura para<br />

nós o aspecto do céu estrelado, mostrando-nos em todas as<br />

regiões do Espaço infinito moradas atuais, passadas ou futuras de<br />

seres viventes e pensantes, de todos os graus de inteligência.<br />

Esse novo céu da Ciência substitui o antigo céu teológico. Desde<br />

então é natural associar-lhe o problema dos nossos destinos, e<br />

estou certo de que o senhor abade não me contestará, de vez que<br />

o antigo céu de Ptolomeu, de São Tomás e de Pascal cedeu lugar<br />

ao de Herschel e Le Verrier. Que há, pois, de surpreendente em<br />

que um astrônomo, que tem o hábito de viver nesse céu, se<br />

pergunte se nossas almas são imortais e se esses mundos são a<br />

moradas da imortalidade? É o grande problema do Além, que<br />

tem a sua importância. A procura de testemunhos da existência<br />

da alma e da sua sobrevivência não é o complemento lógico da<br />

Astronomia? Se todo ser humano morre completamente, em que<br />

a imensidade do Universo nos pode interessar? Se não restam<br />

nada de nós outros, se somos efêmeros cogumelos do globo<br />

terráqueo, vivendo alguns dias, em que nos pode adiantar tudo<br />

isso? A Ciência não passa de uma burla, e assim a nossa própria<br />

vida, sim, um logro idiota e ridículo. Eis como me explico essas<br />

preocupações do “Solitário”, que lhes parecem, e bem assim a<br />

muitos outros, pouco científicas. Acrescentarei ainda que se a<br />

Astronomia nos interessa por si mesma, muito mais ela o faz<br />

pelos horizontes filosóficos que nos desvenda. Que é o Universo?<br />

Que existe em todos esses mundos? Qual o nosso verdadeiro<br />

lugar, o nosso destino, em todo esse plano maravilhoso? Eis aí<br />

questões que certamente nos apaixonam mais do que o cálculo<br />

logarítmico da posição de uma estrela.<br />

– Não quis interromper o senhor conde, interveio o vigário,<br />

mas tenho certas reservas a opor, “Non est hic locus”. Direi<br />

somente que a Fé resolve certos problemas inacessíveis à Razão<br />

e que os sábios deveriam deixar esse cuidado aos teólogos. A<br />

verdade é uma luz que, agitada, corre o risco de se apagar.<br />

– E o senhor, doutor, disse o comandante, que pensa?<br />

– Oh! De lá de cima nada tenho a dizer. Os senhores conhecem<br />

os meus sentimentos. Morrerei, como diz o senhor vigário,<br />

na impenitência final.

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