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Estela

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– Sim, confirmou a baronesa, sabemos que o nosso amável<br />

doutor não acredita em nada.<br />

– Mas, minha senhora, não se deve crer em nada. A palavra<br />

crença é anticientífica. Só se admite o que está demonstrado; eis<br />

tudo.<br />

– E que há realmente demonstrado, replicou o sacerdote, realmente<br />

conhecido em sua essência?<br />

– A discussão nos levará longe, respondeu o médico. Mas,<br />

com toda a certeza, o que não me parece demonstrado (e peço ao<br />

senhor abade que me desculpe a franqueza, porém lhe respondo à<br />

pergunta) é a existência da alma tanto quanto a de Deus. E<br />

quereis que desvende o fundo do meu pensamento? Pois bem: o<br />

tempo despendido com essa divagação é tempo perdido.<br />

– Da mesma forma que com o bilhar e com a pesca de anzol?<br />

disse rindo o Barão de Castelvieil.<br />

– Muito mais, podemos divertir-nos com o bilhar, apanhar<br />

peixes com o anzol; mas nessas questões não há divertimento,<br />

nem se apanha coisa nenhuma.<br />

– Creio que o doutor faz pilhéria à nossa custa neste momento,<br />

disse o abade com um sorriso contrafeito.<br />

– Não penseis isso. Afirmo-vos que essas questões insolúveis<br />

absolutamente não me interessam. Nunca pude compreender, por<br />

minha parte, que alguém se preocupe com a eventualidade do<br />

que nos possa acontecer após a morte. A vida e os seus afazeres,<br />

eis tudo. Tenho visto muitos doentes, muitos velhos, muitos<br />

moribundos. A inteligência é frágil. É uma chama fácil de extinguir.<br />

Facilmente se extingue por um nada, e temos muitas vezes<br />

muito trabalho para reacendê-la.<br />

– Desculpe, mas vós não a reacendeis quando ela está extinta.<br />

– E quando salvamos um afogado? E quando reanimamos um<br />

asfixiado? E quando o desmaio, a síncope, a febre cerebral ou a<br />

febre tífica cedem à volta da lucidez? Digam-me, pois, onde<br />

estava a alma do doente? Onde está a do louco? Digam-me onde<br />

está a do velho caduco, em período de segunda infância, ou onde<br />

está a do idiota, do cretino, da criança atrofiada? Minha experiência<br />

não data de ontem. Para mim, a faculdade de pensar é uma

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