Número Especial: FAEEBA 25 anos PPGEduC 10 anos - Uneb
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Universidade, Bahia e berimbau, trajetórias de descolonização e educação<br />
78<br />
cristãos na época da Reforma. (http://fr.wikipedia.<br />
org/wiki/Disputatio)<br />
Com o tempo, a disputatio é substituída pela ciência<br />
que estabelece outros critérios de produção da<br />
verdade, atualizando as demandas e necessidades<br />
das sociedades, a constituição dos Estados-Nação, a<br />
ordem mercantil, a dinâmica capitalista, a conquista<br />
de mercado, as relações de prolongação colonial.<br />
Dissecar, dominar, medir, esquadrinhar, capturar,<br />
controlar, formatar, ordenar, classificar...<br />
Nada escapa a onipotência da ciência que rege<br />
as sociedades que condensa o espaço-tempo à<br />
técnica, estrutura a vida social submetendo-a aos<br />
simulacros da existência vinculados ao mercado e<br />
ao novo capital.<br />
Séculos depois...<br />
Quando um professor da Faculdade de Medicina<br />
da Universidade Federal da Bahia cometeu a infâmia<br />
de anarquizar com a imagem de seus/suas conterrâneos/as,<br />
argumentando que o berimbau é um instrumento<br />
de uma corda só e por isso accessível ao baiano (!)<br />
provocou polêmica e indignação. Argumentos como<br />
esse vêm desde os tempos de Nina Rodrigues. O recalque<br />
a nossa identidade, a repressão a nossa cultura<br />
e riqueza de civilização, se encontram aqui mesmo,<br />
entre nós, em “nossas” instituições.<br />
Uma séria constatação: na Bahia, territorialidade<br />
imantada pela alteridade civilizatória africanobrasileira,<br />
vivemos um grande dilema, pois a<br />
Universidade não conseguiu fundar nem gregos<br />
nem bai<strong>anos</strong>, como diz Gilberto Gil na música<br />
Tempo Rei.<br />
Muniz Sodré reflete sobre a territorialidade<br />
africana, destacando-a como:<br />
[...] ágora, não a grega, mas uma ágora negra, uma cidadela,<br />
uma organização social com regras próprias,<br />
algo que tornou (...) a Bahia uma coisa singular. Os<br />
estudos sobre o negro no Brasil são mais repetição<br />
do método acadêmico do que pensamento. O que<br />
me interessa, (...) é a possibilidade de ver um pensamento<br />
original, uma filosofia que inclui o corpo,<br />
que não é só conceitual. Mas o que é a filosofia no<br />
Brasil. Certo, eu também estudo Heidegger, Hegel,<br />
Platão, adoro esses caras, mas acho que se você ler<br />
realmente os grandes filósofos, independente da academia,<br />
você constata que eles estavam preocupados<br />
com a cidade deles, digamos assim. Acho que você<br />
só pensa originalmente quando o faz radicalmente,<br />
a partir de suas raízes, o que a academia no Brasil<br />
não ousa fazer. (SODRÉ, 2001, p.<strong>10</strong>)<br />
Sair das entranhas das “verdades” universalizantes<br />
anunciadas pela ciência etnocêntrica e sua<br />
estetização secular, eis o desafio!<br />
Marco Aurélio Luz, ao refletir sobre a Universidade<br />
brasileira, destaca:<br />
Não vamos aqui fazer um balanço crítico da produção<br />
universitária em relação à cultura negrobrasileira,<br />
apenas dizer que a forma de exposição<br />
e as análises realizadas se caracterizam ainda no<br />
âmbito das proposições de Sílvio Romero ’(...)<br />
o negro era não apenas a besta de carga, mas um<br />
objeto de ciência’. Ou, ainda referindo-se à falta de<br />
preocupação da inteligentzia neste sentido: ‘Nós que<br />
temos o material em casa, que temos a África em<br />
nossas cozinhas como a Europa em nossos salões<br />
nada temos produzido neste sentido (...)’. De um<br />
lado, instala a problemática do ‘negro como objeto<br />
de ciência’ e de outro marca a distância característica<br />
da estratificação da dominação pelas metáforas<br />
da cozinha e dos salões, ratificando um status que<br />
é apresentado sutilmente como ‘natural’ e assim<br />
sobredeterminando por ambas as proposições, à<br />
referência daqueles que pesquisaram sobre o negro.<br />
(LUZ, M. 2002, p.47)<br />
Nada escapa à onipotência da ciência que rege<br />
as sociedades que condensa o espaço-tempo à<br />
técnica, estrutura a vida social submetendo-a aos<br />
simulacros da existência vinculados ao mercado e<br />
o novo capital.<br />
Para a nossa análise aqui, no Brasil é sempre<br />
importante destacar o impacto perverso dessas<br />
entranhas da Razão científica, e anunciar com<br />
veemência uma epistemologia compreensiva que<br />
transgride o acervo clássico do conhecimento<br />
institucionalizado, estabelecendo de modo radical<br />
outra possibilidade cognitiva, melhor, outras bacias<br />
semânticas que se aprumam na dinâmica de outras<br />
civilizações, outras dinâmicas de culturas, de povos<br />
milenares.<br />
Isso requer muita ginga, prudência e sabedoria,<br />
como nos alerta o legado dos/as mais velhos/<br />
as afric<strong>anos</strong>/as nos ensinando que devemos fazer<br />
como o bambu diante do vendaval, ”envergar para<br />
não quebrar”.<br />
Daí a nossa opção político-epistemológica pela<br />
abordagem compreensiva que recusa as redes ou<br />
Revista da <strong>FAEEBA</strong> – Educação e Contemporaneidade, Salvador, número especial, p. 75-94, jul./dez. 2009<br />
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