Número Especial: FAEEBA 25 anos PPGEduC 10 anos - Uneb
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malhas de captura ideológica que procura reduzir<br />
a alteridade civilizatória africano-brasileira,<br />
deformá-la, fragmentá-la transformando os herdeiros<br />
do legado do patrimônio milenar africano<br />
em “almas no exílio “como nos alertou Eldridge<br />
Cleaver (CLEAVER, 1971, p.22-23) através da sua<br />
autobiografia.<br />
A epistemologia compreensiva caracteriza-se<br />
por constituir elaborações do conhecimento que se<br />
desdobra das redes de alianças comunitárias, comunalidades.<br />
Esse conhecimento comunal carrega<br />
no seu interior a origem das cidades, compondo<br />
em seu traçado urbano elos de ancestralidade,<br />
cosmogonias, hierarquias, instituições, organização<br />
territorial, famílias, linhagens, grupos sociais, enfim<br />
uma vida social em que circula a dinâmica da<br />
existência, o ciclo vital que constitui morte, vida,<br />
nascimento, renascimentos, descendência.<br />
Assumir a abordagem compreensiva como perspectiva<br />
de atuação é muito significativa para nós,<br />
no âmbito da Universidade! Deparamo-nos com<br />
cânones universitários que tendem sistematicamente<br />
a denegar o conhecimento milenar africano e<br />
submeter gerações de graduandos e pós-graduandos<br />
aos discursos etnocêntricos evolucionistas fixados<br />
nos limites da chamada “sociedade industrial”, que<br />
condensa o espaço-tempo à técnica e submete a<br />
vida social a simulacros da existência que respondam<br />
ao mercado e o novo capital.<br />
Empreendemos, ao longo da nossa vida acadêmica,<br />
esforços para que gerações de graduandos<br />
e pós-graduandos (re)adquiram a capacidade de<br />
espanto diante das tramas que tecem os discursos<br />
e retóricas de suas “formações”.<br />
Aqui vale um relato. Certa vez, após realizarmos<br />
uma aula destacando aspectos dos vínculos<br />
de sociabilidade africano-brasileiro num curso de<br />
pós-graduação lato sensu, um jovem negro (vestido<br />
de gravata e paletó de grife) nos abordou, elogiou<br />
nossa performance teórico-metodológica, etc. Em<br />
seguida, surpreendeu-nos com um comentário<br />
carregado da perspectiva individualista:<br />
– Professora! O que eles fizeram já passou, está<br />
no passado! Eu quero saber de agora em diante, de<br />
mim daqui pra frente. O que eu vou “ser” quando<br />
terminar esse curso.<br />
Nossa reação imediata veio de um riso irônico,<br />
tempo para recuperarmo-nos da surpresa desse<br />
Revista da <strong>FAEEBA</strong> – Educação e Contemporaneidade, Salvador, número especial, p. 75-94, jul./dez. 2009<br />
Narcimária Correia do Patrocínio Luz<br />
comentário. Olhamos para a gravata dele e comentamos:<br />
– Muito bonita a sua gravata e seu terno também.<br />
Não esqueça nunca de uma coisa: para você<br />
estar aqui posando com essa indumentária, muitas<br />
gerações de afric<strong>anos</strong> e africanas tiveram que abrir<br />
espaços institucionais importantes que permitissem<br />
a dignidade e o respeito para as gerações futuras.<br />
Não foi fácil e ainda não é! Precisamos saber<br />
sobre as nossas origens para saber quem somos!<br />
Precisamos conhecer a trajetória da nossa gente<br />
para merecermos essa liberdade de ser e circular<br />
com orgulho de ser. Nunca se esqueça quem você<br />
é, se é que você sabe.<br />
Na cabeça desse pós-graduando negro de gravata<br />
e paletó e de muitos e muitas que circulam nas<br />
Universidades, a vida, ou melhor, o simulacro da<br />
vida se apresenta como a ascensão social no mercado<br />
que irão adquirir via Universidade. Isso<br />
[...] está assentado no valor atribuído ao dinheiro,<br />
no conceito de riqueza, baseado na acumulação e<br />
reprodução constante de capital. Do poder atribuído<br />
aos possuidores de dinheiro deriva o controle do Estado<br />
e o surgimento da força pública como algo que<br />
exige formidáveis investimentos. Ancestralidade e<br />
nobreza dão lugar ao valor do indivíduo, que mesmo<br />
bastardo, possua dinheiro. A sociedade se dessacraliza<br />
e a morte passa a ser sublimada e projetada no<br />
outro. Assim como a morte, o outro etnicamente<br />
constituído e a natureza passam a ser considerados<br />
simples fonte de energia capaz de gerar riqueza.<br />
As guerras ganham caráter de disputa de mercados<br />
visando a acumulação de capital e opressão de povos<br />
para extrair sua riqueza e seu trabalho. O trabalho<br />
não é mais fonte de vida, como também a natureza,<br />
mas algo a ser explorado em seu limite máximo em<br />
relação às leis econômicas de acumulação, reprodução<br />
e expansão do capital. A identidade e o valor<br />
do indivíduo se caracteriza pela aspiração em ter. O<br />
haver passa a significado de maior valor que o ser.<br />
(LUZ, M. 2000, p.148)<br />
Há uma ética da sujeição voluntária característica<br />
do comportamento dos espaços institucionais<br />
alimentados pela Razão de Estado. Quando nos referimos<br />
à sujeição voluntária estamos falando da<br />
[...] acomodação do cidadão ante as seduções encantadoras<br />
dos discursos da Razão de Estado. A<br />
sedução premiada é mais ou menos como aquela<br />
descrita na famosa música Conceição cantada ou<br />
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