Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
112<br />
n e a D e S p e C i a l<br />
O lugar da sexualidade, naquele contexto camponês, não seria no quarto da<br />
casa, ou não exclusivamente ele, mas a roça – para a surpresa <strong>do</strong>s investiga<strong>do</strong>res.<br />
Nestes termos, o processo de trabalho não apenas evoca a sexualidade, com seus<br />
ritos de passagem, mas a ele se associa estreitamente.<br />
É após a iniciação sexual em que o filho passaria a ajudar o pai na derruba e<br />
na queimada, isto é, no enfrentamento com a “natureza perigosa,” com o mato.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, há uma relação simbólica no discurso <strong>do</strong>s camponeses, pauta<strong>do</strong><br />
em uma identidade coletiva/masculina, entre mulher e mato.<br />
Assim, o processo de trabalho inicia também a simbolização <strong>do</strong> espaço, ou a<br />
“culturalização” da natureza. Segun<strong>do</strong> os autores, as mulheres camponesas, por<br />
exemplo, só teriam acesso ao mato depois que este foi amansa<strong>do</strong>, isto é, depois<br />
que a natureza foi <strong>do</strong>mesticada, pois “…essa <strong>do</strong>mesticação é feita pelo trabalho,<br />
o “opera<strong>do</strong>r” da passagem da natureza para a cultura, que também “<strong>do</strong>mestica”<br />
outra dimensão natural, transforman<strong>do</strong> sexo em gênero…” (Woortmann ;<br />
Woortmann, 1997, p. 136).<br />
Para Woortmann; Woortmann são concepções classificatórias que demarcariam<br />
espaços de gênero, cujas fronteiras não deveriam ser transgredidas, para<br />
que sejam mantidas as fronteiras sociais. Portanto, a construção <strong>do</strong>s espaços de<br />
gênero faz-se ainda pelo uso simbólico <strong>do</strong>s instrumentos de trabalho.<br />
Em Da complementaridade à dependência, Ellen Woortmann (1991) aponta<br />
para a ordem <strong>do</strong> discurso público <strong>do</strong> grupo estuda<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong>s universos camponeses<br />
pauta<strong>do</strong>s em sua maioria no pátrio poder que configura um <strong>do</strong>s pontos da<br />
campesinidade e que se replica no discurso <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, tais discursos corroborariam<br />
para uma política de gênero, freqüentemente legitimada pelos discursos<br />
acadêmicos. Para Woortmann, “…a classificação <strong>do</strong> espaço depende <strong>do</strong> contexto<br />
em que se produz o discurso…” (Woortmann, 1991, p. 3).<br />
Ao abordar a complementaridade entre os gêneros na constituição da dieta<br />
familiar entre comunidades pesqueiras no Rio Grande <strong>do</strong> Norte, Woortmann<br />
ressalta que havia entre os gêneros uma complementaridade qualitativa na constituição<br />
desta dieta. A produção feminina se caracterizaria ainda pela constância<br />
e pela reposição previsível. Por outro la<strong>do</strong>, era o trabalho feminino de salga e<br />
secagem <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>, por ocasião da safra, que garantia seu consumo por perío<strong>do</strong><br />
relativamente longo, bem como sua comercialização.<br />
Dessa maneira, as relações internas à família e à comunidade nesses povoa<strong>do</strong>s<br />
se caracterizavam pela complementaridade entre os gêneros, embora tanto<br />
a família quanto a comunidade, fossem organizações hierárquicas, no plano<br />
ideológico, as transformações ecológico-sociais que atingem a terra afetam diretamente<br />
as mulheres. Segun<strong>do</strong> Ellen Woortmann, outras transformações, relativas<br />
ao mar, atingem os homens, e seus efeitos se projetam sobre as mulheres.