Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário
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M a r g a r i D a a l V e S : C o l e t â n e a S o B r e e S t u D o S r u r a i S e g ê n e r o<br />
não, principalmente um tempo atrás, colocavam sem perguntar à mulher, profissão <strong>do</strong>-<br />
méstica ou <strong>do</strong> lar.<br />
R: Por que no seu <strong>do</strong>cumento está a profissão de <strong>do</strong>méstica?<br />
Isa<strong>do</strong>ra: A mulé trabalhava na roça igual ao home, mas todas quan<strong>do</strong> ia tirar o <strong>do</strong>cu-<br />
mento, assim, dizia <strong>do</strong>méstica.<br />
Flora, ao organizar a <strong>do</strong>cumentação para encaminhar o processo da aposenta<strong>do</strong>ria,<br />
percorreu várias instituições em busca de um <strong>do</strong>cumento no qual a sua<br />
profissão constasse como agricultora. Quan<strong>do</strong> elas se referem estritamente à<br />
ocupação profissional é muito mais freqüente o uso <strong>do</strong> termo agricultora <strong>do</strong> que<br />
trabalha<strong>do</strong>ra rural.<br />
R: A senhora quan<strong>do</strong> foi se aposentar já tinha to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos?<br />
Flora: Eu já sabia, nenhuma trabalha<strong>do</strong>ra rural sem <strong>do</strong>cumento, né? Aí eu me preveni<br />
com meus <strong>do</strong>cumentos. Quan<strong>do</strong> eu fui, eu fui premero no hospital, aí a moça disse que<br />
num dava não, num tinha como, porque lá tava que eu era <strong>do</strong>méstica. Aí eu fui numa<br />
maternidade, aí disseram também que num tinha porque eu tava <strong>do</strong>méstica. Anos atrás<br />
a gente tirava <strong>do</strong>cumento, as mulhé da roça num dizia que era agricultora não, né? Era<br />
serviço de mulhé, ninguém enxergava que mulhé trabalhava, só dizia que era <strong>do</strong>méstica<br />
porque a mulhé fazia cumida, né? Trabalha na roça, lava roupa, que home num sabe nem<br />
sequer lavar uma cueca, nem uma meia, e as mulhé pra lavá as meia <strong>do</strong>s home, pra lavá<br />
as cueca, pra lavá as calça, pra lavá as camisa, pra lavá tu<strong>do</strong> quanto é roupa de menino,<br />
pra ajeitar menino pra ir pra escola, pra amarrar a cabra, pra dá água as cabra, pra butar<br />
água em casa, pra trabalhar de tu<strong>do</strong> quanto é serviço de roça e ainda num enxerga que<br />
uma mulhé é trabalha<strong>do</strong>ra da roça, por mais que ela faça. Doméstica, como é que uma<br />
mulhé é <strong>do</strong>méstica se ela faz tu<strong>do</strong> quanto é serviço?! O home como só trabalha na roça,<br />
num tem nada a vê com o serviço de casa, acha que ele é o tal, mas a mulhé sofre muito<br />
mais, sente mais <strong>do</strong>r, a força é mais pouca e trabalha muito mais.<br />
Ao enumerar as atividades que desenvolve, Flora mostra como no regime<br />
de agricultura familiar estão imbricadas as diferentes atividades desempenhadas<br />
pelas mulheres. Elas se des<strong>do</strong>bram entre o trabalho realiza<strong>do</strong> dentro de casa<br />
–cuida<strong>do</strong> com as crianças, preparo de alimentos, cuida<strong>do</strong> e higiene com a casa e<br />
com o vestuário —, na roça e com os animais. De um mo<strong>do</strong> geral, quan<strong>do</strong> falam<br />
<strong>do</strong> trabalho, de uma forma ou de outra elas chegam à mesma conclusão de Flora:<br />
trabalham muito e mais <strong>do</strong> que os homens, entretanto, por muitos anos pelo que<br />
elas faziam, não havia o estatuto de trabalho.<br />
Diante da necessidade de ter <strong>do</strong>cumentos em que conste a profissão de agricultora,<br />
as mulheres passam a desenvolver uma série de estratégias. Uma delas é tirar<br />
novos <strong>do</strong>cumentos com a profissão de agricultora. Uma outra se refere ao preen-<br />
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