Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário
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M a r g a r i D a a l V e S : C o l e t â n e a S o B r e e S t u D o S r u r a i S e g ê n e r o<br />
Uma vez eu fui… estudar sem a blusa de escola, tava suja e a diretora não deixou eu entrar.<br />
Só que pra mim não ir embora sozinha, que eu tinha me<strong>do</strong> […] Fiquei <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora<br />
[…] conversan<strong>do</strong> com o pessoal que também tinha si<strong>do</strong> barra<strong>do</strong>. Aí, nisso, a diretora viu<br />
a gente […] e deu suspensão. […] e falou que a gente só ia entra de novo com o pai. E eu<br />
com me<strong>do</strong> de contar aquilo pro meu pai que ele não ia entender de jeito nenhum. […]<br />
Quan<strong>do</strong> meu pai foi na escola, eles colocaram um mês de falta pra mim. […] Que não<br />
era verdade. Que as vezes, na sala o professor fazia chamada, […] nem sempre a gente<br />
ouvia. […] as vezes nem fazia chamada.[…] Aí meu pai começou a dizer que eu ia pra<br />
escola e não estudava. Aí ele fez um caderninho. Eu tinha que chegar na escola, assinava a<br />
hora que eu entrava e a hora que eu saía. […] E eu morria de vergonha.[…] eu chegava na<br />
escola […] ia na secretaria, dava o caderninho, a diretora assinava, ficava o caderninho lá.<br />
Depois eu saía, ia lá pegava o caderno e ia embora. Então era o seguinte: se eu saísse seis<br />
horas, ele queria que sete horas eu estivesse em casa. Nunca dava tempo. […] eu ia a pé<br />
com me<strong>do</strong> de passar da hora. […] De vez em quan<strong>do</strong> ele olhava, não era sempre ali, não.<br />
Mais no começo que ele olhava. Aí quan<strong>do</strong> foi no ano de 96 [quan<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u de escola],<br />
eu falei assim: Não quero saber dessa porcaria mais não! Eu num vou fazer isso mais não!<br />
No dia que ele perguntar eu num quero nem saber! Aí eu num levei mais caderno. […].<br />
O episódio mostra como a autoridade paterna pode ser exercida através de<br />
mecanismos de controle direciona<strong>do</strong>s principalmente para as “jovens” e contar<br />
com a conivência da instituição escolar. Esse controle tem como motiva<strong>do</strong>r, ou<br />
justifica<strong>do</strong>r, a falta de confiança naqueles que são identifica<strong>do</strong>s como jovens, seja<br />
pelos pais, seja pela própria escola.<br />
A ocupação externa remunerada, apesar de ter características similares da ida<br />
à escola quanto ao deslocamento, pode transformar parcialmente as relações internas<br />
na família e a percepção sobre esse “jovem.” A diminuição da dependência<br />
econômica da família, e sua contribuição para a composição da renda <strong>do</strong>méstica<br />
podem ser razões dessa percepção diferenciada, que, em alguns casos, resulta em<br />
maior autonomia de circulação para filhos, mesmo mulheres, isto é, de forma<br />
menos controlada. Mas esses <strong>do</strong>is processos não representam necessariamente a<br />
saída de casa, que pode vir a ocorrer de forma definitiva em função <strong>do</strong> casamento<br />
e <strong>do</strong> serviço militar.<br />
Mas, uma das principais motivações <strong>do</strong> uso de mecanismos de controle <strong>do</strong>s<br />
pais é a regulação da relação entre rapazes e moças, que acionam desde a vigilância<br />
direta de familiares, até a total interdição. Os mecanismos de regulação<br />
são mais utiliza<strong>do</strong>s com as filhas. Os pais evitam que as filhas freqüentem espaços<br />
onde não possam exercer controle ou onde não existam redes de vigilância.<br />
O mecanismo <strong>do</strong>s “jovens,” principalmente das “jovens,” usa<strong>do</strong>s para contornar<br />
o que consideram um excesso de controle é o namoro escondi<strong>do</strong>. Esse mecanismo<br />
é comum entre casais forma<strong>do</strong>s por jovens mulheres <strong>do</strong> assentamento e seus na-<br />
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