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Margarida Alves - Ministério do Desenvolvimento Agrário

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M a r g a r i D a a l V e S : C o l e t â n e a S o B r e e S t u D o S r u r a i S e g ê n e r o<br />

A benzedeira não falou quem era a pessoa da família que causou to<strong>do</strong> o mal, mas<br />

afirmou que esta comia na própria mesa da casa onde moravam. O nome da bruxa<br />

não poderia ser dito, pois senão resultaria em morte (Favret-Saada, 1977).<br />

To<strong>do</strong>s sabiam que se tratava <strong>do</strong> mau-olha<strong>do</strong> de sua tia, por causa de sua parte<br />

na divisão da terra de seu avô paterno. Seu pai e seu tio paterno são gêmeos e<br />

primogênitos, portanto os herdeiros da casa e <strong>do</strong> terreno <strong>do</strong>s pais. Suas tias não<br />

ganharam nada. Uma destas queria parte <strong>do</strong> terreno, mas acabou não ganhan<strong>do</strong><br />

nada da família. Como ela afirmou: “O olho grande (olho mau) de uma pessoa<br />

costuma matar tu<strong>do</strong> o que lhe agrada.”<br />

Ela conta que a benzedeira fazia as rezas com um galho de arruda e cruzava<br />

este na pessoa e repetia várias palavras, pedin<strong>do</strong> a um santo protetor o nome<br />

de Nossa Senhora a cura da pessoa <strong>do</strong>ente. Ela impunha as mãos na cabeça e<br />

esfregava o braço até as mãos. Neste momento, as palavras ditas não puderam<br />

ser compreendidas, pois a benzedeira falava bem baixo, de mo<strong>do</strong> que estas eram<br />

secretas para os ouvintes.<br />

A idéia de que “a cada um o seu segre<strong>do</strong>” e o ter <strong>do</strong>mínio único de uma linguagem<br />

constituem os elementos que dão mais poder ao desenfeitiça<strong>do</strong>r, no caso<br />

a benzedeira (Tambiah,1968). Segun<strong>do</strong> Favret-Saada (1977, p.19), “o poder <strong>do</strong><br />

mágico, referi<strong>do</strong> ao conjunto de símbolos, o coloca na posição de vinga<strong>do</strong>r reconheci<strong>do</strong>,<br />

mas na condição de que este declara abertamente sua presteza em<br />

assumir esta postura.”<br />

O silêncio, o segre<strong>do</strong> e não falar o nome de quem provocou o mal são condições<br />

fundamentais para a benzedeira se tornar mais forte diante da bruxa. “Quanto<br />

menos se fala, menos se é pego” esta expressão sintetiza a idéia de acúmulo de<br />

poder na guerra entre palavras.<br />

O ritual e a fórmula constituem segre<strong>do</strong> transmiti<strong>do</strong> através <strong>do</strong>s canais tradicionais<br />

(parentes) ou por um “estrangeiro,” e seu efeito mágico supõe a natureza<br />

hermética da sua transmissão (Mauss, 1974; Favret-Saada 1977, p. 45; Lévi-<br />

Strauss,1985, p.204).<br />

Falar sobre o mal ou fazer o mal significa retirar a força necessária para a<br />

benzedeira enfrentá-lo. Se fizer o mal uma única vez, esta perde seu poder. Conforme<br />

relata Douglas sobre o papel <strong>do</strong> feiticeiro entre os Leles (1999, p.13), “quanto<br />

mais profun<strong>do</strong> for o treinamento de um feiticeiro nas técnicas religiosas que<br />

garantem a fecundidade, curam os males e a improdutividade, tanto mais ele<br />

terá nas mãos o conhecimento necessário para causar a morte e infligir esterilidade.<br />

O conhecimento é o mesmo: a diferença é moral, e o resulta<strong>do</strong> depende<br />

das circunstâncias.”<br />

Caso haja problemas que afetem a ordem moral da família da benzedeira, estes<br />

podem levar ao seu enfraquecimento ou perda <strong>do</strong> seu poder de cura (como nos<br />

casos de alcoolismo, uniões consideradas incestuosas e crimes entre parentes).<br />

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