texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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ANEXO 01<br />
POMBO, Rocha. No hospício. Rio de Janeiro: Garnier, 1905. p. 39-42.<br />
A ALMA DO PRÍNCIPE<br />
O principe Tientsin não é como os outros principes da terra. Mais na arte divina<br />
<strong>do</strong> que no throno elle aspira fulgurar. Prefere a soberania espiritual ao imperio <strong>do</strong>s reis.<br />
Mais bella <strong>do</strong> que na fronte a magestade terrena, elle tem nos olhos profun<strong>do</strong>s e luci<strong>do</strong>s<br />
uma especie de celeste irradiação – talvez o esplen<strong>do</strong>r sacratissimo <strong>do</strong> genio.<br />
O principe Tientsin acaba de assumir a herança <strong>do</strong>s seus avós, e sente-se agora –<br />
augusto e solemne como um deus – num throno de ouro, que tem a glorificação de vinte<br />
seculos de historia. A seus pés – <strong>do</strong>cil e amorosa, submissa e misera – toda a Asia está<br />
inclinada á espreita <strong>do</strong> primeiro gesto, palpitante pelo primeiro olhar, ansiosa pela<br />
primeira misericordia que baixar das alturas.<br />
Mas immovel – augusto e solemne como um deus – o principe Tientsin não<br />
sorri: emmudece e suspira, como si toda aquella pompa das desconsolações infinitas.<br />
A solicitude da vassalagem afflicta cerca o soberano; mas ninguem lhe ousa<br />
falar, porque o principe Tientsin é sempre mu<strong>do</strong> e mysterioso, e tem, nos olhos,<br />
procuran<strong>do</strong> velar-lhes a claridade divina, o tom crepuscular das scismas e <strong>do</strong>s sonhos.<br />
Fugin<strong>do</strong> ao exercicio da magestade, encerra-se, por longos dias e noites<br />
seculares, na sua camara deserta, muito cheua de silencio e muito cheia de penumbra,<br />
como os claustros; e ali passa a meditar, curva<strong>do</strong> sobre livros antigos, e sempre<br />
suspiran<strong>do</strong>... sempre suspiran<strong>do</strong>...<br />
Percorre assim todas as edades, convive com todas as gerações, interroga a<br />
Confucio e a Fo-Hi sobre o destino das coisas, e tenta, por dias e dias, decifrar uma<br />
velha lenda de cem seculos...<br />
No palacio <strong>do</strong> principe Tientsin vai um alvoroço anormal. Só não se distingue,<br />
no meio <strong>do</strong> bulicio, écho siquer de voz humana, porque to<strong>do</strong>s falam muito baixo, com<br />
me<strong>do</strong> de accordar daquelle somno o principe que sonha.<br />
Quan<strong>do</strong> os grandes da côrte se approximam da camara, olham de fóra, muito<br />
cautelosos, conten<strong>do</strong> a respitação, e vêm o principe estatella<strong>do</strong>, olhos fitos num ponto<br />
<strong>do</strong> ceu, á espera da noite...