texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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OS DUENDES. – Ha <strong>do</strong>is duendes debaixo daquelle tecto. Os longos corre<strong>do</strong>res<br />
lugubres vão dar à sala, onde offegante anceia aquella mulher, em cujo coração a fereza<br />
<strong>do</strong>s homens tem se ceva<strong>do</strong> ha cinoc (sic) annos. – Um vulto patibular, a passos<br />
vacillantes, caminha para a sala... mas, de subito, detem-se. – “Não – fala comsigo<br />
mesmo: não sposo (sic)... Quem me diz vivo ainda? É certo que aqui dentro ha agitação<br />
e vertigem; mas esta materia é inconsciente: minha alma ha muito que é morta.” –<br />
Avança e recua. Torvo e me<strong>do</strong>nho, como quem tacteia, debate-se entre aquelles muros.<br />
De momento a momento, estaca, olhos muito para<strong>do</strong>s e muito abertos, fixos sobre um<br />
ponto <strong>do</strong> pavimento. Parece que sonha, e parece que uiva numa laceração de demonio.<br />
Vê multidões que se alvoroçam clamantes... ouve gritos e apostrophes que lhe queimam<br />
a alam: trai<strong>do</strong>r! matricida! judeu! Ulula desespero como um monstro. – Eis que no<br />
crepusculo indeciso, ao alto <strong>do</strong> tecto vetusto, num delirio de mãi amargurada e serena, a<br />
imagem da Patria lhe apparece. – “Maldita! maldita!” – imprecou elle rugin<strong>do</strong>. Mas,<br />
cahiu de joelhos, desfeito, como num lungo (sic) espasmo, estarreci<strong>do</strong>, a conter uns<br />
soluços profun<strong>do</strong>s que vinham irrompen<strong>do</strong> como um urro immenso. Dir-se-ia que<br />
daquella noite sem fim e sem estrellas lhe estava accordan<strong>do</strong> a alma antiga. A patria...<br />
os seus filhos... a esposa, para cujo peito haviam reflui<strong>do</strong> todas as amarguras humanas...<br />
a mãi a<strong>do</strong>rada, a quem o destino reservára uma velhice de cem corações de Niobes... e...<br />
Deus... ah! – Deus e a justiça! a reparação e a França! E ergueu-se – ente que readquiriu<br />
a consciencia perdida... espanta<strong>do</strong> de si mesmo... Olhou vagamente, lentamente em<br />
torno... como quem procurasse desvendar junto de si todas as creaturas cuja lembrança<br />
se lhe aviva na alma que resurge. E em seguida, a convulsionar, como um somnambulo<br />
<strong>do</strong>i<strong>do</strong>, move-se aos impetos, investe para a camara visinha... – Mas, eia, filho: pára ahi...<br />
não entres! Tens a <strong>do</strong>is passos aquellas creanças e aquellas mulheres. Ainda existem<br />
teus filhos! ainda existem tua esposa e tua mãi... e tua patria ainda existe!... mas, filho,<br />
pára! – Vem cá, destino.Tu nunca tiveste alma para confrangimentos. Impassivel e<br />
supremo – fazes alegrias e fazes dôres, crêas apotheoses e impões martyrios, supremo e<br />
impassivel. Chegas mesmo a rir ante angustias que gelariam a propria alma <strong>do</strong>s<br />
demonios. Nos campos de batalha, vais com a serenidade inalteravel de creanças numa<br />
pradaria. Nem ha maguas de mãi que te commovam, nem soffrimentos, nem clamores<br />
de innocentes que te espantem... Eu bem sei que tu, destino, és insensivel como o<br />
absoluto... que a grande synthese das tuas leis anda por cima <strong>do</strong>s detalhes... Tu assistes á<br />
premeditação <strong>do</strong>s grandes crimes, ao preparo <strong>do</strong>s holocaustos sangrentos... e nunca<br />
tiveste impetos de desviar as mãos assassinas ou de suspender as vinganças bradantes.