texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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um narra<strong>do</strong>r-autor. Em alguns momentos, o discurso se dirige ao leitor. A forma<br />
como se constrói esse narra<strong>do</strong>r, que vivencia (ou vivenciou) a história que ora<br />
conta, faz com que ele tenda a ser a única voz discursiva efetiva no romance, o<br />
que, entretanto, não é possível, pois as vozes, mesmo que passem pelo crivo <strong>do</strong><br />
narra<strong>do</strong>r, continuam autônomas.<br />
O narra<strong>do</strong>r, ao citar os trechos de outros, deixa claro que não controla as<br />
outras personagens, mas somente o seu próprio discurso. Recortan<strong>do</strong> trechos <strong>do</strong>s<br />
discursos <strong>do</strong>s outros e, para que a narrativa faça senti<strong>do</strong>, o leitor terá de confiar<br />
que esse recorte é possível. Não poderia ser diferente, visto ser um <strong>texto</strong> narra<strong>do</strong><br />
em primeira pessoa, o que faz com que o ponto de vista <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r norteie a<br />
narrativa.<br />
Ao terminar os cinco capítulos de que <strong>do</strong>u um esboço, encontro-me com um repertório<br />
immenso de notas em desordem, como si o autor pretendesse, não só augmentar os<br />
capitulos escriptos, como escrever novos. Do cahos que tenho diante de mim irei<br />
destacan<strong>do</strong> o que me parecer mais original, para dar uma idéa <strong>do</strong>s argumentos com que<br />
Fileto illustra a sua these: (POMBO, 1905, 107)<br />
Eu bem poderia ter transcrito mais um sem-número de pensamentos e trechos. Os que ahi<br />
ficam, porém, são suficientes para dar uma idéa <strong>do</strong> espírito de Fileto.<br />
Como já disse, levei muitos dias a meditar o que ia len<strong>do</strong>. Tive de mutilar a maior<br />
parte <strong>do</strong>s artigos para não os fazer longos demais. Deixei de to<strong>do</strong>s o que me pareceu mais<br />
substancial. (POMBO, 1905, 137-138)<br />
Além da seleção de trechos, há a utilização de paráfrases das falas e ações<br />
das personagens. Essa tentativa de racionalizar o que o outro sente, diz e escreve,<br />
faz com que os leitores não consigam, de forma clara, chegar a visualizar o outro,<br />
mas, quase que somente o narra<strong>do</strong>r. É um processo forte no romance no qual não<br />
se consegue a comunicação direta entre os seres.<br />
Depois foi me inquirin<strong>do</strong> com certa vivacidade e interesse a respeito <strong>do</strong>s cadernos que eu<br />
levava. Disse-lhe coisas que, por mais inaccessivel á lisonja que fosse o seu espirito, não<br />
lhe podiam ser desagradaveis. (POMBO, 1905, 214)<br />
Nas paráfrases, o narra<strong>do</strong>r continua o processo de incomunicabilidade em<br />
que esses seres se encontram. A sensação de proximidade entre eles é constante,<br />
mas a compreensão racional torna-se para eles quase impossível, da<strong>do</strong> o grau de<br />
liberdade de criação que eles experimentam dentro <strong>do</strong> hospício. Há, tanto para o<br />
narra<strong>do</strong>r como para Fileto, a personagem que possui a alma elevada que chama a