texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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⎯ “Não espere pelo seu correspondente...”<br />
⎯ Como? ⎯ gritei sem querer.<br />
O medico me approximou <strong>do</strong>s olhos a gazeta, indican<strong>do</strong>-me uma notícia.<br />
⎯ Oh senhor! diga-me depressa o que há, por misericordia!<br />
⎯ “O seu amigo, hontem, ao sahir daqui, ou depois que daqui sahiu, se<br />
suici<strong>do</strong>u...”<br />
(...)<br />
Pois então, por dinheiro, meu Deus, troca um homem a sua vida? Eu só<br />
comprehenderia o suicídio si me provassem que há crimes que não deixam ás almas a<br />
esperança da redempção, que há desgraças que o esforço legitimo não remedia ou que a<br />
penintencia não é capaz de remediar. (POMBO, 1905, 253-255)<br />
Esse suicídio <strong>do</strong> amigo externo <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r é significativo para a definição da<br />
moralidade que sustenta as ações <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r. O seu amigo mata-se por dinheiro. Ten<strong>do</strong><br />
gasta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o dinheiro que lhe fora confia<strong>do</strong>, não consegue encarar mais a realidade,<br />
sen<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> ao suicídio. A justificativa da sua morte é encarada pelo narra<strong>do</strong>r como<br />
uma fraqueza típica burguesa, que dá mais valores às coisas materiais <strong>do</strong> que ao seu<br />
próprio espírito.<br />
Outra personagem com relevância para o <strong>texto</strong> é Alice. Ela é a irmã mais nova<br />
de Fileto, sen<strong>do</strong> com ela que ele possui a maior afinidade. Entre ambos existe uma<br />
afinidade espiritual que os coloca em um contato que transcende a realidade objetiva.<br />
Ela habita o mun<strong>do</strong> externo ao hospício, mas seu espírito deseja estar livre, e para tanto<br />
acredita que se estivesse encarcerada dentro <strong>do</strong>s muros <strong>do</strong> hospício, poderia ser mais<br />
livre, pois essa instituição permite aos espíritos se revelarem de forma mais verdadeira,<br />
não mais necessitan<strong>do</strong> fingir aquilo que não são. A solidão de Fileto, quan<strong>do</strong> em terras<br />
afastadas <strong>do</strong> Rio de Janeiro, é causada pela ausência de espíritos eleva<strong>do</strong>s com quem<br />
possa compartilhar a sua existência. E, o espírito que ele mais preza é o de sua irmã. Ao<br />
voltar à casa <strong>do</strong>s pais, quem Fileto realmente busca é Alice. Essa irmã é vista por Fileto<br />
como o ser mais espiritual que conhece. Isso causa-lhe admiração, mas, ao mesmo<br />
tempo, um certo estranhamento, por não conseguir compreender to<strong>do</strong> o alcance a que o<br />
espírito dela pode chegar. E, para Fileto, o grande drama da alma de sua irmã é não<br />
poder viver ao seu la<strong>do</strong>.<br />
⎯ “Acredite que minha irmã é um caso mais extraordinario talvez que o daquella propria<br />
Seraphita de Balzac, um caso de maravilhar o seculo e confundir toda a sciencia actual. A<br />
vida de minha irmã, a vida <strong>do</strong> seu espirito é já tão alta e tão intensa, que o mecanismo <strong>do</strong>s<br />
seus senti<strong>do</strong>s se tornou insuficiente para exteriorizal-a: ella vive, quase só, interiormente.<br />
A sua existencia cá fóra tem sempre o aspecto de um sonho continuo. Mas, ah!<br />
pudessemos, meu amigo, sondar-lhe toda a profundeza da alma augusta... Acontece a<br />
minha irmã o que a mim me acontece: o seu soffrimento mais <strong>do</strong>loroso é não poder estar<br />
sempre junto de mim. (POMBO, 1905, 80)