texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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Fileto o reconheça como um espírito eleva<strong>do</strong>. Para se fazer reconhecer como um ser que<br />
se destaca <strong>do</strong> comum <strong>do</strong>s homens, o narra<strong>do</strong>r utilizará a tática de enviar para Fileto<br />
<strong>texto</strong>s seus, como se não tivesse intenção de que isso acontecesse, deixan<strong>do</strong> a impressão<br />
de que Fileto lhes havia descoberto a grandeza por acaso, como já fora fala<strong>do</strong>.<br />
Para tanto, já de início, o narra<strong>do</strong>r aban<strong>do</strong>na a idéia de enviar versos para Fileto,<br />
pois considera que este teria reservas em relação à métrica. Fileto aparece como um ser<br />
que não possui o seu espírito limita<strong>do</strong> pelas normas de uma poética tradicional.<br />
Mas não acabei a transcrição: tive um presentimento quasi supresticioso de que Fileto não<br />
leria versos. São muito raros os versos naturaes como a prosa e com certeza aquelle<br />
espirito havia de ter suspeitas contra o metro e contra a rima. (POMBO, 1905, 26)<br />
Os sentimentos não deveriam caber dentro <strong>do</strong> verso, a não ser em alguns casos.<br />
Porém, ao mostrar um poema seu, mesmo dizen<strong>do</strong> que não o vai enviar, o narra<strong>do</strong>r<br />
explicita que é alguém que trabalha com as leis tradicionais da poética. O poema que<br />
apresenta não está transcrito inteiramente, mas o que é aprensenta<strong>do</strong> forma um conjunto<br />
de dezesseis versos alexandrinos rima<strong>do</strong>s, os oito primeiros versos em rimas<br />
intercaladas (ABBA / CDDC) e os oito últimos em rimas cruzadas (EFEF / GHGH).<br />
Mas, com exceção da forma, que o narra<strong>do</strong>r julgava que seria negada pelo<br />
interno, a temática <strong>do</strong> <strong>texto</strong> se encaixaria perfeitamente com a condição de vida de<br />
Fileto: uma vida sofrida, solitária, vagan<strong>do</strong> por entre um mun<strong>do</strong> que não o compreende.<br />
A DOR DA VIDA<br />
Vejo ali no caminho a figura ullulante<br />
A mostrar no conspecto o pavor das tormentas,<br />
Erguen<strong>do</strong> para o ceu as orbitas cruentas,<br />
Como vida suspensa ante a morte clamante.<br />
Mas, porque é que gélaste e tens hirto o semblante,<br />
Oh tremenda visão? Crer-se-à que tu lamentas<br />
E te queixas de Deus nesse gesto que inventas<br />
Esse gesto que é eterno e recorda um instante.<br />
Eis que junto, a encarar-me em obliqua postura,<br />
Em mysterios envolto, um mancebo me espanta<br />
A falar-me: Oh senhor, esta estranha creatura –<br />
Correu sempre uma lenda – é a druidiza santa,<br />
Que se chama Alkandil: da vida a atroz tortura<br />
Matou-a, e a <strong>do</strong>r, morren<strong>do</strong> ali na sua garganta,<br />
Deixou aquelle gesto augusto de amargura<br />
No olhar que para o ceu clamorosa alevanta...<br />
........................................................................ (POMBO, 1905, 26)