texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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atenção <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r e o faz internar-se no hospício para poder conhecê-la, a<br />
necessidade de justificar a existência. E essa justificativa se dá por um processo<br />
que tende a uma racionalização (pessoal) intensa da realidade. E, como toda<br />
tentativa de racionalizar sobre algo, ele tende para uma teleologia. A forma como o<br />
narra<strong>do</strong>r usa o verbo “ter” na citação seguinte, faz com que se explicite que a<br />
forma como narra não é imparcial, mas ela tende a uma finalidade bem definida.<br />
Poderia indicar muitos outros pedaços, transcrever numerosos trechos, e até contos<br />
inteiros, si me deixasse levar pelo meu gosto. Não sei mesmo se teria de excluir algum <strong>do</strong>s<br />
artigos que enchem o caderno. (POMBO, 1905, 178)<br />
A estruturação desse narra<strong>do</strong>r-autor se dá por um processo discursivo pelo qual se<br />
constrói não somente um enre<strong>do</strong>, mas toda uma justificativa para a vida. Ele sabe<br />
onde quer chegar.<br />
Um detalhe que está presente somente na primeira edição <strong>do</strong> romance pode<br />
indicar uma técnica usada por Rocha Pombo para diferenciar o discurso <strong>do</strong><br />
narra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> discurso das demais personagens media<strong>do</strong> por ele: todas as falas<br />
diretas de todas as personagens estão entre aspas, com exceção das falas <strong>do</strong><br />
narra<strong>do</strong>r, seja em discurso direto ou indireto. As aspas, fazen<strong>do</strong> papel de citação,<br />
procura dar maior credibilidade aos discursos das personagens, buscan<strong>do</strong><br />
apresentá-los como se não tivessem si<strong>do</strong> altera<strong>do</strong>s pelo narra<strong>do</strong>r mas somente<br />
citadas por ele. Entretanto, isso poderia indicar, também, apenas uma convenção<br />
editorial <strong>do</strong> momento, sem indicar, necessariamente, uma vontade <strong>do</strong> autor de<br />
diferenciar as falas.<br />
Expandiu-se meigamente commigo. E quan<strong>do</strong> me sentiu mais desafoga<strong>do</strong>, foi voltan<strong>do</strong> á<br />
questão:<br />
“Mas diga-me... que pensa: o remorso perseguirá as almas até o outro mun<strong>do</strong>?”<br />
Encarei firmemente aquella fronte, e um turbilhão de idéias, como chispas de<br />
fogo, me incendia o cerebro.<br />
Foi o senhor animei-me a perguntar que passou, por aqui, ha momentos?<br />
E elle muito espanta<strong>do</strong> e com alvoroço:<br />
“Ah!... então o senhor também viu!...” (POMBO, 1905, 51)<br />
Se as aspas forem tomadas como um desejo voluntário <strong>do</strong> autor, a sua inserção<br />
na elaboração das falas das personagens se justificaria na postura <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r de não<br />
entrar nas mentes das personagens, uma vez que tu<strong>do</strong> o que sabe se passa na sua própria<br />
mente, nunca sen<strong>do</strong> possível saber o que está ocorren<strong>do</strong> na <strong>do</strong>s outros ou quais as reais