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texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná

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Naturalmente o meu infeliz amigo se atrazou nos seus negocios, e quan<strong>do</strong> hontem o<br />

preveni de que desejava sahir <strong>do</strong> hospicio, o misero entendeu que havia chega<strong>do</strong> o<br />

momento de prestar-me as contas... (...) Pois então, por dinheiro, meu Deus, troca um<br />

homem a sua vida? (POMBO, 1905, 254-255)<br />

A não apresentação direta <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r junta-se com uma postura que<br />

aparecerá indicada em to<strong>do</strong> o romance e que é efetivada em relação aos elementos<br />

físicos (tempo e espaço), além de ser melhor realizada no próprio narra<strong>do</strong>r: não<br />

dizer nada diretamente. Tu<strong>do</strong> o que é dito no romance é parcial e diz respeito a<br />

uma construção particular da realidade que não se prende a uma descrição objetiva<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas a uma vista distorcida e jamais frontal <strong>do</strong> universo que cerca as<br />

personagens. Em outras palavras, conhecer o mun<strong>do</strong> efetivamente como ele é, seria<br />

a mesma coisa que destruí-lo, seria retirar toda a áurea de possibilidade de<br />

existência plural e contraditória da realidade.<br />

Essa pluralidade de possibilidades para as personagens é usada como base<br />

estruturada <strong>do</strong> romance. Pela ambigüidade construída a parir <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r,<br />

nada pode ser toma<strong>do</strong> com absoluta certeza, mas como uma sugestão <strong>do</strong> que se está<br />

passan<strong>do</strong>. Tu<strong>do</strong> o que é narra<strong>do</strong> é marca<strong>do</strong> por verbos como “idealizar”, “criar”,<br />

“imaginar”. O mun<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> pelo narra<strong>do</strong>r, mesmo sen<strong>do</strong> pleno em si mesmo, não<br />

busca a descrição objetiva de sua realidade.<br />

Aquella menina destacava-se daquella familia, como um anjo posto pela providencia<br />

divina ao la<strong>do</strong> daquelle moço, no meio daquelles pungentes contrastes em que os <strong>do</strong>is se<br />

encontravam. Podia ser, na minha alma, uma bella illusão santa – mas ha não sei que voz<br />

no meu coração, a falar-me, com insistencia, daquella menina, des <strong>do</strong> dia em que soror<br />

Thereza me informou que Fileto conversa muito com ella e que se absorve muito na leitura<br />

<strong>do</strong>s livros que ella lhe traz. Aquella creança já anda na minha alma como <strong>do</strong>ce e mimosa<br />

visão, que vem transfigurar, no ambiente <strong>do</strong> hospicio, a serenidade e o encandto <strong>do</strong><br />

convivio que vou idealizan<strong>do</strong>.<br />

Affligiam-me bastante os momentos que a familia passava na camara <strong>do</strong> moço, e<br />

ao sentir que o tropel, que me chega aos ouvi<strong>do</strong>s, tem a eloquencia <strong>do</strong> coronel Seixas, não<br />

posso disfarçar um movimento de inquietação e desgosto: aquelle homem ali é um<br />

contraste vivo com o mun<strong>do</strong> que me vou crean<strong>do</strong>. (POMBO, 1905, 42-43)<br />

Até mesmo quan<strong>do</strong> o narra<strong>do</strong>r diz que, ao entrar no hospício, a sua<br />

pluralidade enquanto um indivíduo fica reduzia a uma única dimensão, a loucura,<br />

essa unidimensionalidade (MARCUSE, 1982) é invertida e, o que seria limitação<br />

da<strong>do</strong> pelo controle social, passa a ser uma aspecto potencializa<strong>do</strong>r da ilimitação de<br />

um ser. Essa exploração das ambigüidades das situações serão trabalhadas por to<strong>do</strong><br />

o romance.

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