texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná
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(POMBO, 1905, 59)). A passagem <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> clássico para o moderno se dá<br />
quan<strong>do</strong> da incorporação <strong>do</strong> médico, o representante da ciência, nessas instituições.<br />
Deixa-se de la<strong>do</strong> o Hospital Geral enquanto um mero depósito de pessoas<br />
indesejáveis e cria-se, agora, o Sanatório, destina<strong>do</strong> à aplicação <strong>do</strong> conhecimento<br />
científico e, conseqüentemente, destina<strong>do</strong> à cura. O isolamento passa a também ter<br />
um caráter científico e não somente moral.<br />
No hospício da narrativa, encontram-se explicitamente a descrição da razão<br />
pela qual Fileto havia si<strong>do</strong> interna<strong>do</strong>: não se encaixava aos padrões sociais,<br />
desagradan<strong>do</strong> a família, fazen<strong>do</strong> essa passar vergonha pelos seus mo<strong>do</strong>s no âmbito<br />
social.<br />
— Mas, diga-me, soror Thereza, como é que puzeram aqui este moço? Foi a propria<br />
familia que o internou no hospicio?<br />
— “A propria familia...” — respondeu-me a freira.<br />
E toman<strong>do</strong> uns ares de reserva, falou mais baixo e me foi explican<strong>do</strong>:<br />
— “Ouvi dizer-se, e julgo verosimil, que a familia deste moço é muito rica e tem<br />
fumaças de nobreza... Era elle ainda estudante quan<strong>do</strong> começou a desgostar a familia com<br />
certas esquisitices. Não sabia trajar... Pouco caso fazia de sociedades... Andava sem<br />
compostura... sem linha na vida... Vagueiava como palerma pelas ruas... chegan<strong>do</strong> ás<br />
vezes a sahir sem gravata... Mettia-se no seu como<strong>do</strong> a ler, quan<strong>do</strong> à casa lhe iam visitas...<br />
Tanta cousa, emfim, que a familia, de envergonhada, chegou a affastal-o para um logarejo<br />
de provincia. Ao cabo de algum tempo estava, porém, de volta, sau<strong>do</strong>so <strong>do</strong>s pais e<br />
procuran<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, como dizia elle, quase ufano. Os pais tiveram dó; mas ven<strong>do</strong> que<br />
elle era o mesmo desequilibra<strong>do</strong>, trataram de prendel-o, evitan<strong>do</strong> que désse escandalos...<br />
O moço, entretanto, encontrava sempre meios de illudir a vigilancia <strong>do</strong>s crea<strong>do</strong>s, e sahia a<br />
vaguear, de quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong>, pelos jardins e pelas praças, aproveitan<strong>do</strong> as manhãs<br />
formosas e tardes serenas...”<br />
— Mas era só isso o que elle fazia: vagueava pelos jardins?<br />
— “Só, é exacto... mas a questão é que elle sahia mal traja<strong>do</strong>, e muitas vezes dizem<br />
que as irmãs o encontravam assim, e voltavam choran<strong>do</strong> de vergonha... as coitadinhas...<br />
Afinal a familia cansou e o remedio foi este – entregal-o ao hospicio. Ao menos aqui elle<br />
não soffre e não envergonha a familia...” (POMBO, 1905, 4-5)<br />
Se tomar por base a forma como foi possível ao narra<strong>do</strong>r entrar no hospício<br />
(somente depois da aprovação <strong>do</strong> médico), é possível ver nesse hospício um misto entre<br />
o Hospital Geral e o Sanatório descritos por FOUCAULT (2000).<br />
O hospício foi uma tentativa colocada em prática pela família de Fileto após se<br />
ter tenta<strong>do</strong> o isolamento em terras distantes. Mas como essa personagem insistia em<br />
voltar, acaba sen<strong>do</strong> interna<strong>do</strong> em um hospício. Essa internação é tida como natural pelos<br />
moldes da época. Não somente por aqueles que decidem quem deve ficar dentro ou fora<br />
de um local de reclusão, mas pelo próprio interno, que se sente subordina<strong>do</strong> a uma<br />
estrutura à qual ele não questiona.