01.06.2013 Views

texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná

texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná

texto integral - Allan Valenza.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Ás vezes, o medico de dia me procurava, porque dizia gostar muito da minha prosa. Uma<br />

noite, elle estava na minha cellula, quan<strong>do</strong> chegou uma enfermeira queixan<strong>do</strong>-se de febre.<br />

O homem, muito grave, foi logo examinan<strong>do</strong> a mulher e, no fim, deu, sentenciosamente, o<br />

prognostico: “Vae <strong>do</strong>er-lhe a cabeça um pouco, e depois... ficará boa...” Eu soltei uma<br />

gargalhada pavorosa. O Esculapio sahiu com a <strong>do</strong>ente, e eu – ah, como é bom ser louco! –<br />

fiquei rin<strong>do</strong> a valer. Não sei por que, mas, naquelle momento, achei uma graça infinita na<br />

gravidade <strong>do</strong> médico e naquella confiança segura com que elle sabia applicar a sua<br />

sciencia... (POMBO, 1905, 10)<br />

Essa transposição de mun<strong>do</strong> só pode ser feita por uma questão de capacidade de<br />

determinar o que pertence a um e o que pertence a outro mun<strong>do</strong>. No fun<strong>do</strong>, o que<br />

importa são as estruturas de poder discursivo sobre o que vem a ser loucura e o que é<br />

razão que determinam o que pode estar livre na sociedade e o que deve estar<br />

encarcera<strong>do</strong> e ser retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> convívio de uma sociedade sadia (FOUCAULT, 2000b). E<br />

o narra<strong>do</strong>r sabe bem a quem deve recorrer para ter acesso ao mun<strong>do</strong> da loucura, ao qual<br />

ele estava aparta<strong>do</strong>. Em primeiro lugar ele recorre a uma freira, soror Thereza. Ela é<br />

quem estará ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, a dar-lhe forças e mostrará o caminho para ele de<br />

como entrar no hospício.<br />

A freira, suppon<strong>do</strong> que eu era medico, fez-me ver que o meio mais seguro naturalmente<br />

seria contratar-me como interno <strong>do</strong> estabelecimento. Mas que infelicidade: eu não tinha a<br />

fortuna de ser medico.<br />

⎯ “Então, disse-me a freira, só como enfermeiro, ou como guarda... ou como<br />

servente...”<br />

Um dia, perguntei a soror Thereza quaes eram as condições em que se poderia<br />

entrar na casa, como enfermo. (...) e ella, por fim,deu-me todas as instrucções e garantiume<br />

que me collocaria na cellula visinha á <strong>do</strong> moço. (POMBO, 1905, 7)<br />

Ela mostra para o narra<strong>do</strong>r como as coisas devem ser feitas para que ele possa passar de<br />

um mun<strong>do</strong> para outro. Além de mostrar essa passagem, é soror Thereza que dará apoio<br />

ao narra<strong>do</strong>r dentro <strong>do</strong> hospício. Sempre que ele precisa resolver um empecilho que o<br />

afasta de Fileto, é a ela que o narra<strong>do</strong>r recorre. Todas as explicações <strong>do</strong> que está<br />

ocorren<strong>do</strong> naquele mun<strong>do</strong> são dadas por soror Thereza. Mas, a forma como o narra<strong>do</strong>r<br />

olha para a freira é, inicialmente, como se ela fosse um ser que, por mais que soubesse<br />

muito, era de uma capacidade limitada de raciocínio.<br />

Perguntei, em seguida, muita coisa á freira, e ella, de olhar pie<strong>do</strong>so e com voz chorosa, me<br />

respondia por meias palavras discretas, que pareciam dizer-me que havia muito mais a<br />

saber <strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> que eu acabava de ouvir... (...) Mas qual!... Nada disso é possivel. Soror<br />

Thereza é sincera, e ter-me-ia si<strong>do</strong> franca si alguma coisa houvesse. O que se dá,<br />

naturalmente, é que a pobre tambem se assombra em presença daquella vida, e o que ella

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!