103CAPÍTULO 3 – CONSULTAS PÚBLICAS COMO MECANISMOS DEPARTICIPAÇÃO INDÍGENA: UM EXEMPLO NO AMAZONAS“O sol já havia despontado quando, na hora programada para despertar, o quartodo casal se inundou com uma doce melodia, enquanto uma tela se iluminavasuavemente com a mensagem: “Bom dia Maria. Bom dia João.”Maria, sempre a primeira a espreguiçar, premiu um comando na cabeceira e logo atela passou a dar notícias e informações sobre o tempo.Como sempre, as notícias referiam-se também aos sufrágios popularesprogramados para o dia, induzindo os cidadãos interessados a manifestar suaparticipação.João, proprietário recente no bairro, interessou-se particularmente por um projetode lei municipal reduzindo o imposto predial nas vilas operárias, e Maria seimpressionou com um projeto de lei federal aumentando a pena paraseqüestradores. Ao cabo, ambos estavam discutindo um projeto de lei estadualsobre pedágio nas estradas turísticas do Estado.A preocupação de João com o imposto predial foi mais longe. Com uma simplesdigitação, sintonizou o Tribunal Regional Eleitoral, à busca de novas informaçõessobre o projeto de lei municipal. Uma gravação continha tudo o que se poderiaconsiderar importante para a decisão popular: desde a exposição de motivos doExecutivo, até a redação final da matéria. João saltou algumas discussões e sefixou no texto final que estava sendo submetido à votação popular, fazendoalgumas anotações pessoais.Satisfeito com as informações, o casal decidiu deixar desde logo, no computadordo Tribunal Regional Eleitoral, os seus votos favoráveis. Quanto aos dois outrosprojetos, eles teriam ainda todo o dia para decidir, não necessitando mais queutilizar qualquer outro terminal disponível, digitando seus respectivos códigos, evotando quando desejassem.O importante, em tudo, o respeito à consciência de João e de Maria.Independentemente de estamento social e de padrão econômico, eles, comoqualquer cidadão, tinham o poder de decidir sobre suas próprias leis. No larou em qualquer lugar, no trabalho ou na rua, os terminais teleinformáticos lhesgarantiam os instrumentos de informação e de decisão, pondo sua sorte dasociedade, literalmente, na ponta dos seus dedos.” [g.m.]Essa ilustração de participação de um casal de jovens operários na criação de leisdisciplinadoras de aspectos das suas vidas é descrita por Diogo de F. Moreira Neto noprólogo de seu livro Direito da Participação Política 104 , publicado em 1991. O juristaadmite que a disponibilidade de avançadas tecnologias de comunicação e informática aesses cidadãos suburbanos pode, em princípio, impressionar o leitor, porém, na opinião doautor, essa cena bem que poderia ser real num futuro “não muito distante” (MOREIRANETO, 1991, p. 1).104 MOREIRA NETO, Diogo, de Figueiredo. Direito da Participação Política: legislativa, administrativa,judicial: (fundamentos e técnicas constitucionais da democracia). Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
104No entanto, no trecho citado, o que chama a atenção transcende o futurologismoapregoado pelo autor. Em primeiro lugar, Moreira Neto faz dos personagens João e Mariaa imagem do cidadão genérico que compõe o povo brasileiro: o membro de uma classepopular trabalhadora, morador da cidade. Em segundo lugar, o autor dá ao direito àparticipação os contornos de uma ação exclusivamente individual, manifestada pelo votoindividual, que supostamente permitiria uma participação direta do cidadão na “formaçãoda vontade da lei” (MOREIRA NETO, ibid., p. 1).Com relação ao primeiro ponto, numa delimitação simplificadora da realidade, ojurista deixa de considerar todos os outros sujeitos que compõem o povo brasileiro, dentreeles os sujeitos indígenas. Como já foi visto, os sujeitos indígenas, tanto quanto os demaissujeitos que se consideram parte de povos e comunidades tradicionais, têm lutado paragarantir o exercício do direito à diferença e à diversidade cultural e étnica e assimmanterem suas culturas e modos de vida. A luta se opõe à idéia da integração evolucionistaque poderia, no futuro, transformar esses sujeitos, ou seus descendentes, em trabalhadoresurbanos, tais como João e Maria. Moreira Neto não levou em conta que o povo brasileironão é uma massa homogênea e que o cidadão, ou seja, aquele que tem capacidade paravotar, na verdade não se confunde com o povo 105 .Esta ênfase na existência atomizada mostra-se corrente na literatura jurídica e teminquietado muitos estudiosos, que se voltam para discutir a noção de povo. Muller bemobserva que a pergunta “quem é o povo?” raramente é feita a partir de uma perspectivaanalítica (MULLER, 2003, p. 117). Para este autor, há várias concepções de povo,conforme a situação em que a categoria é evocada. Segundo seu pensamento, no sentidomais amplo, o povo seria, simplesmente, a totalidade dos indivíduos realmente residentes105 A esse respeito, consulte-se Quem é o povo? A questão fundamental da democracia, de Friedrick Müller.São Paulo, Max Limonad, 2003.
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