47um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valoruniversal excepcional, organizado de modo permanente e segundo métodoscientíficos e modernos (...).A classificação feita pela Convenção elenca vários componentes do patrimôniomundial - que antes encontravam-se dispersos -, agrupando-os, respectivamente, em“patrimônio cultural” e “patrimônio natural”. Tais componentes, no entanto, referem-seapenas a elementos materiais ou tangíveis do aludido patrimônio, ou seja, elementos quepossuem existência corpórea 55 .Essa classificação se mostraria insuficiente duas décadas depois, ensejando aconstrução de uma nova distinção a partir da CDB. A dicotomia entre natureza e cultura,que está na base da Convenção de 1972, foi deslocada para uma outra classificação de“patrimônio cultural”, produzida no plano jurídico, que passa a subdividi-lo em material eimaterial.Em 2003, onze anos depois da CDB, a Convenção para a Salvaguarda doPatrimônio Cultural Imaterial da UNESCO, ampliou o significado de “patrimôniocultural”, definindo o “patrimônio cultural imaterial” nos seguintes termos:As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto comos instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados –que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecemcomo parte integrante de seu patrimônio cultural. (Convenção para aSalvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, 2003, art. 2º)55 Conforme a referida Convenção, de 1972, são considerados patrimônio cultural: “- os monumentos: obrasarquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,inscrições, cavernas e grupos de elementos, que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista dahistória, da arte ou da ciência; - os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude desua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vistada história, da arte ou da ciência; - os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e danatureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional doponto de vista histórico, estético ou antropológico.” Já o patrimônio natural é composto por: “monumentosnaturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações, que tenham valoruniversal excepcional do ponto de vista estético ou científico; - as formações geológicas e fisiográficas e asáreas nitidamente delimitadas que constituam o de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valoruniversal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação; - os lugares notáveis naturais ou aszonas naturais nitidamente delimitadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência,da conservação ou da beleza natural.” Em ambas as conceituações, cabe reiterar, está-se diante tão-somentede componentes materiais ou tangível.
48Pelo que se pode compreender do artigo transcrito, o “patrimônio culturalimaterial” é predominantemente coletivo. O mesmo se depreende da CDB, que atribui aos“grupos com estilos de vida tradicionais”, e não aos indivíduos, os direitos sobre autilização de seus conhecimentos por terceiros.Nas Diretrizes de Serrinha, documento produzido a partir da Oficina Preparatóriasobre o Anteprojeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos e Conhecimentos TradicionaisAssociados - região Sul, realizada em outubro de 2008, as discussões voltaram-se para aproteção do patrimônio cultural, natural e espiritual dos povos indígenas, das comunidadeslocais e dos agricultores familiares. Neste documento resultante da mencionada oficina,realizada no âmbito da consulta pública sobre o APL, os representantes do movimentoindígena do sul do país propugnam defender o “patrimônio cultural, natural e espiritual”dos povos indígenas, “comunidades locais” e agricultores familiares, cujo papel nageração, inovação e melhoramento de variedades de espécies, segundo seus formuladores,deve ser reconhecido. A classificação do patrimônio desses grupos feita nesse documentodestoa tanto daquela preconizada pela Convenção Relativa à Proteção do PatrimônioMundial, em 1972, quanto da estabelecida pela Convenção para a Salvaguarda doPatrimônio Cultural Imaterial, de 2003. Os signatários afirmam seus direitos sobre o seu“Patrimônio Espiritual” 56 , reforçando que as três categorias de sujeitos coletivossignatárias do documento detêm direitos que devem ser equiparados pela futura lei.Certamente, num conceito lato sensu de patrimônio, está implícita a idéia depropriedade e de titularidade. Nesse sentido, a norma jurídica é que vai definir patrimônio.56 Essa demanda de Serrinha pretende reforçar no mundo jurídico essa nova categoria de patrimônio, qualseja, o “espiritual”, em separado do denominado “patrimônio cultural”. Hipoteticamente, caso atendida nafutura lei, essa reivindicação implicaria na possibilidade jurídica de se aferir valor econômico ao “valorespiritual” dos saberes indígenas, para efeito de indenização dos sujeitos coletivos por danos a elesprovocados, a título de dano moral à coletividade.
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