41Na interpretação jurídica de Shiraishi Neto, ao evocar esta condição de sujeito omovimento indígena coloca o “conhecimento tradicional” como uma figura do presente.Em decorrência, o sentido de “tradicional” hoje rompe com o tempo linear e, e porextensão, com as abordagens evolucionistas e positivistas (SHIRAISHI NETO, 2007),apoiadas em estágios sucessivos de desenvolvimento. Rompe também com as dicotomias eas oposições simétricas entre “tradicional” e “moderno” ou entre “passado” e “presente” ouainda entre o “costume” e a “lei” e permite, com isso, a emergência de um significadorelacional de “conhecimento tradicional”. Tal significado é que relativiza ainda outrasdicotomias, tais como “selvagem” e “civilizado” ou, principalmente, como “oriente” e“ocidente” 47e suas variações como “civilização ocidental” e “ciência ocidental”,demonstrando que os “conhecimentos tradicionais” não podem ser reduzidos a umdualismo supostamente cultural ou a um dualismo geográfico. Em razão disto é que naprodução dos chamados “mapas culturais” 48 os “conhecimentos tradicionais” não podemser confundidos com o lugar geográfico ou com a área de incidência das espéciesefetivamente utilizadas pelos saberes indígenas (ALMEIDA, 2008). Todas estas distinções,que evidenciam as polêmicas em torno dos “conhecimentos tradicionais.47 Para esta crítica apoiei-me no trabalho de relativização desta dicotomia empreendido por Edward Said:“Comecei com a suposição de que o Oriente não é um fato inerte da natureza. Não está meramente lá, assimcomo o próprio Ocidente não está apenas lá.Devemos levar a sério a notável observação de Vico segundo aqual os homens fazem sua própria história, e que só podem conhecer o que fizeram e aplicá-la à geografia:como entidades geográficas e culturais- para não falar das entidades históricas- os lugares, regiões e setoresgeográficos tais como o “Oriente” e o “Ocidente” são feitos pelo homem.” (SAID, 1990, p.16).48 A noção de “mapas culturais”, como instrumentos de conhecimento de realidades localizadas queidentificam inclusive as potencialidades dos recursos naturais, pode ser encontrada nas demandas e processosque tramitam no CGEN, solicitando um parecer do Conselho quanto a ocorrência ou não de acesso ao“conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético” em casos de realização de mapeamentosculturais de terras indígenas, projetados e executados, sobretudo, por organizações não-governamentais. Paraum exemplo consulte-se o “Relatório Final (versão adotada pela Comissão) da CPI destinada a investigar otráfico de animais e plantas silvestres brasileiros, a exploração e comércio ilegal de madeira e a biopiratariano Pais.” (Brasília. Câmara dos Deputados, 28 de março de 2006, pp.305-308).
42Ao desempenhar atividades de monitoria no Curso de Gestores Indígenas 49 emSanta Izabel do Rio Negro (AM), no mês de abril de 2009, avancei na reflexão sobre amultiplicidade de significados dos chamados “conhecimentos tradicionais associados”.Foi possível constatar uma maneira recorrente e aproximada pela qual essesgestores representam os “conhecimentos tradicionais associados”. Notei que prevalece umacerta modalidade de perceber a questão, dominando o discurso dos representantes daquelasorganizações indígenas que, sem exceção, focalizam o “conhecimento tradicional” sobuma ótica de “resgate cultural”, de “reavivamento de identidade” ou de recuperação deexpressões culturais consideradas “em extinção”, “perdidas” ou residuais. Predomina, porum lado, uma idéia de “sobrevivência cultural”, fundada numa abordagem decaracterísticas evolucionistas 50 . De outra parte, e em sentido contrário, o “conhecimentotradicional” é considerado por eles como algo “recuperável” e, ao mesmo tempo, como uminstrumento recuperador de uma identidade cultural. Assim, seu tempo seria o presente,pois é em função de reivindicações atuais que o “tradicional” emerge com força e denota acapacidade das organizações indígenas de se projetarem no campo de poder. Verifiqueitratar-se de um lugar-comum, permeando as diferentes falas, que merece ser analisado. Aspercepções dos freqüentadores do curso, representando a Associação das ComunidadesIndígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN), a Associação das Comunidades Indígenas eRibeirinhas (ACIR) e a Associação Indígena de Barcelos (ASIBA), e dos entrevistados,49 A monitoria do curso promovido pelo CINEP, em parceria com COIAB, UEA e UFAM, foi realizada,nessa ocasião, durante oito dias consecutivos, de 14 a 20 de abril de 2009. Nessa oportunidade, acompanheinove cursistas provenientes de três associações indígenas com atuação na região do Médio Rio Negro, nosmunicípios de Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, quais sejam, ACIMIRN, ASIBA e ACIR. Tambémobtive informações em entrevistas abertas com um membro da diretoria da Cooperativa MistaAgroextrativista dos Povos Tradicionais do Médio Rio Negro (COMAGEPT), com um dirigente do ConselhoNacional dos Seringueiros (CNS) e com uma dirigente da Associação de Mulheres Indígenas e Ribeirinhasde Barcelos (AMIRB). Estas entrevistas foram realizadas no decorrer dos seminários do Projeto NovaCartografia Social da Amazônia (PNCSA) realizados em Belém (PA), em novembro de 2008, e durante oFórum Social Mundial, em janeiro de 2009.50 Almeida faz uma leitura crítica da distinção entre a teoria biológica da evolução e o evolucionismo:“Enquanto a teoria da evolução biológica desvinculou-se da noção de “progresso”, admitindo “involuções”, aabordagem evolucionista, de maneira inversa, constituiu-se num padrão explicativo da vida social ancoradonuma idéia de “progresso contínuo (...)” (ALMEIDA, 2005, p.9).
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