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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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Ao descer a colina, passamos pelo meu lugar, e desta vez fui eu quem

desviou o olhar, como se tivesse esquecido o que aconteceu. Tenho certeza

de que se olhasse para ele naquele momento, teríamos trocado o mesmo

sorriso contagiante que sumira imediatamente de nosso rosto quando ele

citou a morte de Shelley. Poderia ter nos aproximado, só para nos lembrar do

quanto precisávamos nos afastar. Talvez, ao desviar o olhar e saber que

tínhamos desviado para evitar “discursos”, tivéssemos encontrado um motivo

para sorrir um para o outro, pois tenho certeza de que ele sabia que eu sabia

que ele sabia que eu estava evitando qualquer menção ao penhasco de Monet,

e que essa atitude, que deveria nos separar, era, na verdade, um momento

perfeitamente sincronizado de intimidade que nenhum de nós desejava

dissipar. Esse lugar também está naquele livro, eu poderia ter dito, mas me

contive.

Sem discursos.

No entanto, se durante o passeio das manhãs seguintes ele perguntasse, eu

falaria tudo.

Contaria que embora pedalássemos todos os dias até nossa piazzetta

preferida, onde eu decidia nunca falar fora de hora, todas as noites, quando eu

sabia que ele estava na cama, ainda abria a persiana e ia até a varanda,

torcendo para que ele ouvisse o som revelador das dobradiças antigas quando

minha porta se abrisse. Esperava por ele lá, apenas com o short do pijama,

pronto para declarar, se ele perguntasse o que eu estava fazendo ali, que a

noite estava muito quente e o cheiro de citronela insuportável, e que eu

preferia ficar acordado, sem dormir, sem ler, só olhando para o nada, porque

não conseguia dormir, e se ele perguntasse por que eu não conseguia dormir,

simplesmente responder Você não quer saber, ou, de maneira indireta, dizer

que eu tinha prometido nunca passar para o lado dele da sacada, em parte

porque morria de medo de ofendê-lo, mas também porque não queria testar a

armadilha invisível entre nós — De que armadilha você está falando? ; a

armadilha que, uma noite dessas, se meu sonho fosse muito poderoso ou eu

tivesse bebido mais vinho que o normal, poderia acionar facilmente, abrir sua

porta e dizer Oliver, sou eu, não consigo dormir, posso ficar com você? Essa

armadilha!

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