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o próprio tempo, como cada um de nós, a igreja foi construída sobre as ruínas
de restaurações subsequentes, não há fundo definitivo, não há o primeiro de
nada, apenas camadas e passagens secretas e câmaras interligadas, como as
catacumbas cristãs e, logo ao lado, uma catacumba judaica. Mas, como diria
Nietzsche, meus amigos, eu lhes dei a moral antes do conto.
— Alfredo, meu amor, seja breve.
A gerência do restaurante percebeu que não iríamos embora tão cedo, e mais
uma vez serviu grapa e sambuca como cortesia para todos.
— Então, naquela noite quente em que pensei estar enlouquecendo, estou
sentado no bar barato do meu hotel barato, e quem está sentado na mesa bem
ao meu lado é o recepcionista da noite, com aquele estranho boné sem aba.
De folga?, pergunto. De folga, responde ele. Por que não vai para casa então?
Eu moro aqui. Só estou tomando um drinque antes de me recolher. Olho para
ele. E ele olha para mim. Sem deixar que se passe mais um instante, ele pega
o copo com uma mão, o decantador com a outra… eu achei que tivesse me
intrometido e ofendido o rapaz, e que ele quisesse ficar sozinho e estivesse se
mudando para outra mesa longe da minha… quando, de repente, ele vem até
a minha mesa e se senta à minha frente. Quer experimentar um pouco?,
pergunta. Claro, por que não, penso, quando em Roma, quando na
Tailândia… É claro, ouvi todo tipo de histórias, então imagino que há algo de
suspeito e potencialmente desagradável na situação, mas decido me deixar
levar. Ele estala os dedos e, com um ar ditatorial, pede um copo para mim. É
atendido no ato. Beba um gole.
Talvez eu não goste, respondo. Beba mesmo assim. Ele serve um pouco no
meu copo e um pouco no dele. A fermentação é deliciosa. O copo é um
pouco maior que o dedal que minha avó usava quando costurava meias. Beba
mais um gole, só para garantir. Mando mais um para dentro também. É claro.
Lembra um pouco a grapa, mais forte, mas menos ácido. O tempo todo, o
recepcionista da noite fica olhando para mim. Não gosto que me olhem com
tanta intensidade. Seu olhar começa a se tornar insuportável. Quase posso
sentir o início de uma risadinha.
Você está me encarando, finalmente digo. Eu sei. Por que está me encarando?