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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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o próprio tempo, como cada um de nós, a igreja foi construída sobre as ruínas

de restaurações subsequentes, não há fundo definitivo, não há o primeiro de

nada, apenas camadas e passagens secretas e câmaras interligadas, como as

catacumbas cristãs e, logo ao lado, uma catacumba judaica. Mas, como diria

Nietzsche, meus amigos, eu lhes dei a moral antes do conto.

— Alfredo, meu amor, seja breve.

A gerência do restaurante percebeu que não iríamos embora tão cedo, e mais

uma vez serviu grapa e sambuca como cortesia para todos.

— Então, naquela noite quente em que pensei estar enlouquecendo, estou

sentado no bar barato do meu hotel barato, e quem está sentado na mesa bem

ao meu lado é o recepcionista da noite, com aquele estranho boné sem aba.

De folga?, pergunto. De folga, responde ele. Por que não vai para casa então?

Eu moro aqui. Só estou tomando um drinque antes de me recolher. Olho para

ele. E ele olha para mim. Sem deixar que se passe mais um instante, ele pega

o copo com uma mão, o decantador com a outra… eu achei que tivesse me

intrometido e ofendido o rapaz, e que ele quisesse ficar sozinho e estivesse se

mudando para outra mesa longe da minha… quando, de repente, ele vem até

a minha mesa e se senta à minha frente. Quer experimentar um pouco?,

pergunta. Claro, por que não, penso, quando em Roma, quando na

Tailândia… É claro, ouvi todo tipo de histórias, então imagino que há algo de

suspeito e potencialmente desagradável na situação, mas decido me deixar

levar. Ele estala os dedos e, com um ar ditatorial, pede um copo para mim. É

atendido no ato. Beba um gole.

Talvez eu não goste, respondo. Beba mesmo assim. Ele serve um pouco no

meu copo e um pouco no dele. A fermentação é deliciosa. O copo é um

pouco maior que o dedal que minha avó usava quando costurava meias. Beba

mais um gole, só para garantir. Mando mais um para dentro também. É claro.

Lembra um pouco a grapa, mais forte, mas menos ácido. O tempo todo, o

recepcionista da noite fica olhando para mim. Não gosto que me olhem com

tanta intensidade. Seu olhar começa a se tornar insuportável. Quase posso

sentir o início de uma risadinha.

Você está me encarando, finalmente digo. Eu sei. Por que está me encarando?

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