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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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jeito.

Então uma estranha ideia me ocorreu: e se meu corpo — só meu corpo, meu

coração — clamasse pelo dele? O que fazer? E se eu não fosse capaz de

suportar a noite sem ele ao meu lado, dentro de mim? E aí? Pensar na dor

antes da dor.

Eu sabia o que estava fazendo. Mesmo dormindo, eu sabia o que estava

fazendo. Está tentando se imunizar, é isso que você está fazendo… desse

jeito vai acabar matando a coisa toda… seu garoto sorrateiro e ardiloso. É

isso que você é, um garoto sorrateiro, sem coração, ardiloso. Eu ri daquela

voz. O sol estava em mim, e eu o amei com um amor quase pagão pelas

coisas da terra. Pagão, é isso que você é. Nunca tinha percebido o quanto eu

amava a terra, o sol, o mar — pessoas, coisas e até a arte pareciam vir em

segundo plano. Ou estaria enganando a mim mesmo? No meio da tarde,

percebi que estava curtindo o sono, não só fazendo dele um refúgio, o sono

dentro do sono, como o sonho dentro do sonho, não existe nada melhor. Um

acesso de algo tão delicado quanto a pura felicidade começou a se apoderar

de mim. Deve ser quarta-feira, pensei, e de fato era quarta-feira, quando o

amolador se instala em nosso quintal e começa a trabalhar em cada faca da

casa, Mafalda sempre de pé ao seu lado, conversando com ele e segurando

um copo de limonada para o homem enquanto ele faz seu trabalho. O som

rouco e fricativo de sua roda crepitando e chiando no calor da tarde, enviando

ondas sonoras de felicidade para o meu quarto no andar de cima. Ainda não

tinha sido capaz de admitir para mim mesmo o quanto Oliver me deixou feliz

no dia em que engoliu meu pêssego. É claro que aquilo me emocionou, mas

também me deixou lisonjeado, como se o gesto me dissesse Eu acredito com

cada célula do meu corpo que cada célula do seu não deve, nunca deve

morrer, e se tiver que morrer, que seja dentro do meu corpo. Ele abriu a porta

já entreaberta da varanda pelo lado de fora e entrou — não estávamos nos

falando naquele dia; não perguntou se podia entrar. O que eu ia fazer? Dizer

Você não pode entrar? Foi quando levantei o braço para cumprimentá- lo e

dizer que não queria mais brigar, que estava cansado de brigar, chega de

briga, para sempre, e deixei que ele levantasse os lençóis e deitasse em minha

cama. Assim que ouvi o som do amolador em meio às cigarras, soube que

acordaria ou continuaria dormindo, e que as duas coisas eram boas, sonhar ou

dormir, a mesma coisa, eu aceitaria qualquer uma ou ambas.

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