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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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superior à aparente.” Ou: “A natureza ama esconder-se.” E ainda tinha a

viagem a E. sobre a qual falávamos havia dias. E também o conjunto de

música de câmara que chegaria a qualquer momento.

No caminho, passamos por uma loja onde minha mãe costumava encomendar

flores. Quando criança, eu gostava de assistir à vitrine imensa ser inundada

por uma cortina de água que descia com delicadeza, dando à loja uma aura

misteriosa e encantada que me fazia lembrar dos filmes nos quais a imagem

saía de foco para anunciar um flashback prestes a acontecer.

— Eu queria não ter dito nada — falei, por fim.

Logo que falei soube que tinha quebrado o frágil feitiço que havia entre nós.

— Vou fingir que você não disse — continuou ele.

Bom, aquela era uma atitude que eu jamais esperaria de um homem que

parecia tão à vontade com o mundo. Nunca tinha ouvido uma frase como

aquela na nossa casa.

— Isso quer dizer que voltamos a conversar… mas não de verdade? Ele

pensou um pouco.

— Olha só, não podemos falar sobre essas coisas. Não podemos mesmo.

Ele mudou a mochila de ombro e começamos a descer a colina.

Quinze minutos antes eu estava em completa agonia, cada terminação

nervosa, cada emoção despedaçada, pisoteada, golpeada como no pilão de

Mafalda, todas pulverizadas até que não desse mais para diferenciar medo de

raiva, de desejo puro e simples. Mas, naquele momento, havia algo no

horizonte. Agora que tínhamos colocado as cartas na mesa, o segredo e a

vergonha haviam desaparecido, mas com eles também havia sumido qualquer

traço de esperança tácita que vinha mantendo tudo aquilo vivo nas últimas

semanas.

Apenas o cenário e o tempo podiam balizar meu humor agora. Assim como o

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