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Sentamos em uma das pedras e conversamos. Por que não tínhamos
conversado assim antes? Eu não teria me desesperado tanto por ele se
tivéssemos esse tipo de amizade semanas antes. Talvez tivéssemos evitado
dormir juntos. Eu queria contar a ele que tinha transado com Marzia a menos
de duzentos metros de onde estávamos agora. Mas não contei. Em vez disso,
falamos sobre “Está consumado”, de Haydn, que eu tinha acabado de
transcrever. Eu podia falar sobre aquilo sem sentir que o fazia para
impressioná-lo, chamar sua atenção ou estabelecer uma conexão frouxa entre
nós. Eu podia falar sobre Haydn durante horas… que amizade encantadora
poderia ter sido.
Enquanto lidava com a sensação inebriante de ter superado o que sentia por
ele e até um pouco de decepção por ter me recuperado com tanta facilidade
depois de um feitiço que durou semanas, nunca me ocorreu que aquele desejo
de sentar e discutir Haydn de maneira tão estranhamente relaxada como
estávamos fazendo era meu ponto mais vulnerável, que se o desejo tivesse
que vir à tona, poderia muito bem ser por meio dessa abertura, que eu sempre
considerei que fosse a mais segura, como a visão do seu corpo quase nu à
beira da piscina.
Em algum momento ele me interrompeu.
— Tudo bem? — Tudo bem. Tudo bem — respondi.
Então, com um sorriso sem jeito, como se estivesse corrigindo a pergunta
inicial, disse: — Tudo bem em todos os lugares? Retribuí com um sorriso
forçado, sabendo que já estava me fechando, fechando as portas e janelas
entre nós, apagando as velas porque o sol tinha finalmente aparecido de novo
e a vergonha lança sombras largas.
— Quero dizer… — Eu sei o que você quer dizer. Dolorido.
— Mas você se incomodou quando eu …? Virei para o outro lado, como se
uma corrente de ar gelado tivesse tocado minha orelha e eu tentasse evitar
que atingisse meu rosto.
— Precisamos falar sobre isso? — Não, não se você não quiser.