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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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trabalhando, outros lendo, o mundo inteiro relaxado em semitons abafados.

Horas celestiais, em que as vozes do mundo fora da nossa casa entravam tão

suavemente que eu tinha certeza de estar cochilando.

O tênis à tarde. Banho e drinques. A espera pelo jantar. Mais convidados.

Jantar. Sua segunda ida à tradutora. Passear pela cidade e voltar tarde da

noite, às vezes sozinho, às vezes com amigos.

E há as exceções: a tarde chuvosa que passamos sentados na sala, ouvindo

música, o granizo batendo em todas as janelas da casa. As luzes se apagaram,

a música acabou, e tudo o que nos restou foi o rosto uns dos outros. Uma tia

falando sobre os anos terríveis que passou em St. Louis, no Missouri, que ela

pronunciava San Lui, minha mãe espalhando aroma de chá e, no fundo, vindo

lá da cozinha, as vozes de Manfredi e Mafalda, sussurros esparsos de um

casal discutindo em sibilos altos. Lá fora, a figura magra, encoberta e

encapuzada do jardineiro lutando contra as intempéries, sempre arrancando

ervas daninhas mesmo na chuva, meu pai fazendo sinal com os braços na

janela da sala, volte, Anchise, volte.

— Esse homem parece uma assombração — dizia minha tia.

— Pois a assombração tem um coração de ouro — respondia meu pai.

Mas todas aquelas horas eram marcadas pelo medo, como se o medo fosse

um fantasma, ou um pássaro estranho e perdido preso em nossa cidadezinha e

cuja asa escura lançava sobre cada ser vivo uma sombra que jamais

dispersaria. Eu não sabia do que eu tinha medo, ou por que me preocupava

tanto, ou por que aquela coisa que me causava tanto pânico às vezes parecia

esperança e, como a esperança nos momentos mais sombrios, trazia tanta

alegria, uma alegria irreal, uma alegria que trazia consigo uma armadilha. A

forte batida do meu coração quando ele aparecia sem aviso me aterrorizava e

me fazia vibrar ao mesmo tempo. Eu tinha medo quando ele aparecia, medo

quando não aparecia, medo quando ele olhava para mim, ainda mais medo

quando não olhava. Por fim, a agonia me esgotava e, nas tardes escaldantes,

eu simplesmente me entregava e caía no sono no sofá da sala e, embora

sonhasse, sabia exatamente quem estava no cômodo, quem entrava e saía de

fininho, quem parava por ali, quem ficava olhando para mim e por quanto

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