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Enquanto isso, outra parte de mim na verdade estava feliz por aquilo ter
acabado. Estava superado. Eu pagaria o preço. As questões eram: Ele
entenderia? Ele me perdoaria? Ou seria mais um truque para impedir outro
acesso de aversão e vergonha?
* * *
De manhã cedinho, fomos nadar juntos. Pareceu ser a última vez que
estaríamos juntos dessa forma. Eu voltaria para o meu quarto, dormiria,
acordaria, tomaria café, pegaria o caderno e passaria as horas maravilhosas da
manhã imerso transcrevendo Haydn, sentindo de vez em quando uma pontada
de ansiedade que antecipava o desprezo renovado a cada manhã, até lembrar
que já tínhamos passado daquele estágio, que ele tinha estado dentro de mim
algumas horas antes e que depois havia gozado em meu peito, porque disse
que queria, e eu deixei, talvez porque eu ainda não tivesse gozado e me
excitava a ideia de ver suas expressões e chegar ao auge bem diante dos meus
olhos.
Ele estava andando no mar, com a água quase na altura do joelho, ainda de
camisa. Eu sabia o que ele estava fazendo. Se Mafalda perguntasse, ele diria
que tinha molhado por acidente.
Juntos, nadamos até a pedra grande. Conversamos. Eu queria que ele achasse
que eu estava feliz por estar com ele. Queria que o mar lavasse a gosma do
meu peito, mas ali estava seu sêmen, agarrado ao meu corpo. Em pouco
tempo, com água e sabão, todas as minhas dúvidas sobre mim mesmo, que
haviam começado três anos antes quando um jovem desconhecido parou a
bicicleta, desceu, colocou a mão no meu ombro e, com aquele gesto agitou ou
apressou algo que talvez levasse muito, muito mais tempo para chegar à
consciência — tudo isso poderia finalmente ser lavado também, descartado
como um boato maldoso sobre mim, ou uma falsa crença, liberto como um
gênio que, após cumprir sua sentença, agora se lavava com o aroma suave e
radiante do sabonete de camomila encontrado em um dos banheiros da nossa
casa.