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novo no qual entrei, só poderiam ser transmitidas pela brincadeira.
Todos estavam disponíveis, viviam disponíveis — como a cidade — e
partiam do princípio de que todos os outros também queriam ser assim.
Eu desejava ser como eles.
O dono da livraria tocou uma campainha que ficava no balcão do caixa, e
todos ficaram em silêncio.
O poeta falou.
— Eu não ia ler este poema hoje, mas porque alguém — ele alterou a voz —
alguém o mencionou, não vou resistir. O título é “A síndrome de São
Clemente”. É, devo admitir, se é que um versista pode dizer isso do próprio
trabalho, meu favorito.
(Mais tarde descobri que ele nunca se referia a si mesmo como poeta ou a
suas obras como poesia.) — Porque foi o mais difícil, porque me fez sentir
uma saudade terrível de casa, porque me salvou na Tailândia, porque me
explicou minha vida inteira — continuou. — Contava os dias e as noites com
São Clemente na cabeça. A ideia de voltar a Roma sem terminar este longo
poema me assustava mais do que ficar preso no aeroporto de Bangkok outra
semana. E, no entanto, foi em Roma, onde moramos a menos de duzentos
metros da Basílica de São Clemente, que dei os toques finais a um poema
que, ironicamente, comecei uma eternidade antes em Bangkok exatamente
porque Roma parecia estar a galáxias de distância da Tailândia.
Enquanto ele lia o longo poema, comecei a pensar que, ao contrário dele,
sempre encontrei um modo de evitar contar os dias. Iríamos embora em três
dias… então, o que quer que eu tivesse com Oliver estava destinado a se
dissolver no ar. Tínhamos falado de nos encontramos nos Estados Unidos, e
de trocar cartas e conversar por telefone, mas tudo isso tinha uma
característica misteriosamente surreal mantida intencionalmente opaca por
nós dois… não porque quiséssemos deixar que os acontecimentos nos
pegassem de surpresa para que pudéssemos culpar as circunstâncias e não a
nós mesmos, mas porque, ao não planejar manter as coisas vivas, evitávamos