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Dez minutos depois, me sentindo impotente e me odiando por isso, decidi
esperar mais dez, dessa vez de verdade.
Vinte minutos depois, não consegui mais suportar. Coloquei um suéter, saí
para a varanda e desci. Iria até B., se fosse preciso, ver com meus próprios
olhos. Estava indo em direção ao galpão das bicicletas, já discutindo comigo
mesmo se devia ou não ir a N. primeiro, onde as pessoas costumavam ficar
na rua até bem mais tarde do que em B., e já me xingando por não ter enchido
os pneus de manhã, quando, de repente, alguma coisa me disse que eu devia
parar imediatamente e tentar não incomodar Anchise, que dormia na casinha
ali perto. Anchise sinistro… todos diziam que ele era sinistro. Eu suspeitei o
tempo todo? Devo ter suspeitado. A queda da bicicleta, a mistura caseira de
Anchise, a bondade com que cuidou dele e limpou a ferida.
Mas lá embaixo, nas pedras à beira da praia, ao luar, eu o vi. Estava sentado
em uma das pedras mais altas, usava o suéter azul e branco listrado com os
botões sempre abertos nos ombros que havia comprado na Sicília no início do
verão. Não estava fazendo nada, estava apenas com os braços em volta dos
joelhos, ouvindo as ondas baterem nas pedras lá embaixo. Olhando para ele
da cerca, senti algo tão terno que me lembrou de como tinha ido correndo a
B. para alcançá-lo antes mesmo que ele entrasse no correio. Ele era a melhor
pessoa que eu tinha conhecido na vida. Eu havia escolhido bem. Abri o
portão e pulei as várias pedras até chegar perto dele.
— Estava esperando você — disse.
— Achei que você tinha ido dormir. Pensei até que não queria.
— Não. Esperando. Só apaguei as luzes.
Olhei na direção da nossa casa. As persianas estavam todas fechadas.
Eu me abaixei e beijei o pescoço de Oliver. Foi a primeira vez que o beijei
com sentimento, não só desejo. Ele me abraçou. Inofensivo, caso alguém
visse.
— O que você estava fazendo? — perguntei.