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descoberta, mas a mortalha do desespero quando o desencanto tiver tomado
cada nervo de seu corpo. Os anos estão olhando para você agora, cada estrela
que você vê hoje já conhece seu tormento, seus ancestrais estão reunidos aqui
e não têm nada a oferecer ou dizer, Non c’andà, não vá até lá.
Mas eu amava o medo — se era realmente medo —, e isso meus ancestrais
não sabiam. Era o lado subjacente do medo que eu amava, como a lã mais
macia encontrada na barriga da ovelha mais áspera. Eu amava a ousadia que
me impulsionava, me excitava, porque eu tinha nascido da excitação. “Você
vai me matar se parar”… ou seria: “Vou morrer se você parar.” Cada vez que
eu ouvia essas palavras, não conseguia resistir.
Bati no vidro, devagar. Meu coração batia enlouquecidamente. Não tenho
medo de nada, então por que temer? Por quê? Porque tudo me assusta, porque
tanto o medo quanto o desejo estão ocupados enganando um ao outro e a
mim, não sei nem diferenciar o desejo de que ele abra a porta da esperança do
desejo de que ele me dê um bolo.
Mas, imediatamente após bater no vidro, ouvi algo lá dentro, como alguém
procurando os chinelos. Então percebi uma luz fraca se acender.
Lembro de ter comprado o abajur em Oxford com meu pai certa noite no
início da primavera anterior, porque o quarto do hotel era muito escuro. Meu
pai tinha descido e voltado dizendo que havia uma loja vinte e quatro horas
que vendia abajures virando a esquina. Espere aqui, eu já volto. Mas eu disse
que ia com ele. Coloquei o casaco por cima do mesmo pijama que estava
usando naquela noite.
— Que bom que você veio — disse ele. — Ouvi a movimentação no seu
quarto e por um instante pensei que você estava se arrumando para dormir e
tinha mudado de ideia.
— É claro que eu vinha.
Era estranho vê-lo agitado daquela maneira. Eu esperava uma chuva de
pequenas ironias, por isso estava nervoso. Em vez disso, fui recebido com
explicações, como alguém que se desculpa por não ter tido tempo de comprar