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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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apesar de todos os meus esforços para viver com o “fogo” e o “desfalecer”, a

vida ainda me permitiu momentos maravilhosos. Itália. Verão. O som das

cigarras no início da tarde. Meu quarto. O quarto dele. A varanda que nos

separava do restante do mundo. O vento suave que trazia os aromas do jardim

até meu quarto. O verão em que aprendi a amar pescar. Porque ele amava. A

amar correr. Porque ele amava. A amar polvo, Heráclito, Tristão. O verão em

que ouvia o canto de um pássaro, sentia o perfume de uma flor ou o vapor

subir pelos pés em dias quentes e ensolarados e, como meus sentidos estavam

sempre em alerta, automaticamente pensava nele.

Eu poderia ter negado tantas coisas: que desejava tocar seus joelhos e seus

pulsos quando reluziam ao sol com um brilho que eu tinha visto em

pouquíssimas pessoas; que amava como sua bermuda branca de jogar tênis

parecia eternamente manchada em cor de argila, que, com o passar das

semanas, se tornou a cor de sua pele; que seu cabelo, cada dia mais louro,

refletia o sol antes mesmo que ele tivesse aparecido completamente pela

manhã; que sua esvoaçante camisa azul, ainda mais esvoaçante em dias de

ventania à beira da piscina, prometia abrigar um aroma de pele e suor que me

deixava duro só de pensar. Eu podia ter negado tudo isso. E acreditado na

negação.

Mas foram a corrente de ouro e a estrela de davi com a mezuzá dourada em

seu pescoço que me disseram que ali havia algo mais forte do que qualquer

coisa que eu já desejara dele, porque aquilo era um vínculo entre nós e me

lembrava que, embora todo o resto conspirasse para que fôssemos as duas

criaturas mais opostas da Terra, ao menos transcendia todas as diferenças. Vi

a estrela quase imediatamente no primeiro dia. E daquele momento em diante

eu soube que o que me estimulava a buscar sua amizade, achando que nunca

encontraria nada que me fizesse desgostar dele, era maior do que qualquer

coisa que um poderia esperar do outro, maior e, portanto, melhor que a alma

dele, que o meu corpo ou a própria Terra. Olhar para o seu pescoço com a

estrela e o amuleto revelador era como ver algo atemporal, ancestral, imortal

em mim, em nós dois, que implorava para ser despertado e trazido de volta de

seu sono milenar.

O que me frustrava era que ele não parecia notar ou se importar com o fato de

que eu também usava uma. Assim como provavelmente não notava ou se

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