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convidada a sentar no lugar que eu tinha ocupado no almoço. O prato do
Oliver foi retirado imediatamente.
A retirada foi sumária, sem nem sinal de arrependimento ou remorso, como
quando removemos uma lâmpada queimada ou limpamos as entranhas de um
carneiro que costumava ser um animal de estimação, ou tiramos os lençóis e
cobertores da cama em que alguém morreu. Aqui, pegue, tire isso de vista.
Fiquei olhando seus talheres, seu sousplat, seu guardanapo, sua própria
existência desaparecer. Era um presságio exato do que aconteceria dali a
menos de um mês. Não olhei para Mafalda. Ela odiava essas mudanças de
última hora na organização da mesa do jantar. Balançava a cabeça em
repreensão a Oliver, a minha mãe, a nosso mundo. A mim também, imagino.
Sem olhar para ela, eu sabia que seu olhar percorria meu rosto até me encarar
diretamente, procurando estabelecer contato visual. Foi por isso que evitei
tirar os olhos do meu semifreddo, que eu amava, e que ela sabia que eu
amava e tinha deixado ali para mim porque, apesar do olhar de censura que
com afinco buscava o meu, ela sabia que eu sabia que ela sentia pena de mim.
Mais tarde naquela noite, enquanto tocava algo ao piano, meu coração
acelerou quando pensei ter ouvido uma scooter parar diante do nosso portão.
Alguém tinha lhe dado uma carona. Mas eu podia estar enganado. Tentei
ouvir seus passos, o som do cascalho sob seus pés até o bater seco das
alpargatas quando ele subisse a escada que levava à varanda. Mas nenhum
desses sons entrou na casa.
Muito, muito depois, na cama, ouvi uma música que vinha de um carro
parado na estrada principal, além da alameda de pinheiros. Porta se abre.
Porta bate. Carro sai. Música começa a sumir. Só o som da rebentação e do
cascalho suavemente rearranjado pelos passos preguiçosos de alguém que
está perdido em pensamentos ou levemente bêbado.
E se a caminho do quarto ele parasse no meu, como se dissesse: Pensei em
dar uma olhada aqui antes de deitar e ver como você está.
Tudo bem? Nenhuma resposta.
Puto? Nenhuma resposta.