12.03.2020 Views

Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

— Que ideia, vomitar na frente da estátua falante! Cinema? Concertos?

Comecei a me dar conta de que ele estava tentando chegar a algum lugar,

talvez sem que ele mesmo soubesse. Percebi porque, enquanto ele seguia

fazendo perguntas que quase abordavam o assunto, comecei a sentir que já

estava colocando em prática manobras evasivas muito antes de o assunto que

nos esperava ao dobrar a esquina se tornar visível. Falei sobre a condição

permanente de sujeira e degradação das praças de Roma. Do calor, do tempo,

trânsito, freiras demais. Tais e tais igrejas fecharam. Detritos em todos os

lugares. Reformas malfeitas.

E reclamei das pessoas, dos turistas, dos micro-ônibus que levavam e traziam

inúmeras hordas com minicâmeras.

— Viu alguma das praças privativas de que falei? Acho que nos esquecemos

de visitar as praças privativas de que ele falou.

— Foram até a estátua de Giordano Bruno por mim? — perguntou ele.

Claro que sim. Quase vomitei lá também naquela noite.

Rimos.

Pausa breve. Mais uma tragada do cigarro.

Agora.

— Vocês dois tinham uma amizade bonita.

Foi muito mais ousado do que qualquer coisa que eu poderia imaginar.

— Sim — respondi, tentando deixar meu “sim” suspenso no ar, como que

impulsionado pela ascensão de um qualificador negativo que acabou

suprimido.

Só esperava que ele não tivesse percebido o Sim, e daí? hostil, evasivo e

aparentemente cansado em minha voz.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!