Diacritica 25-2_Filosofia.indb - cehum - Universidade do Minho
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A MECÂNICA DO SENTIR – RACIONALIDADE E MIMESIS NA PERFORMANCE MUSICAL<br />
ausência de descriminação, a unidade <strong>do</strong> ego e a unidade com o universo,<br />
num generaliza<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de plenitude e emoções positivas.<br />
O sentir da estrutura<br />
205<br />
Sem prejuízo dessa recepção mimética, baseada na identifi cação, varia<strong>do</strong>s<br />
estu<strong>do</strong>s têm mostra<strong>do</strong> que, quer a interpretação, quer a percepção, podem<br />
ser em varia<strong>do</strong>s aspectos compreendidas a partir da representação cognitiva<br />
da música (criação e gestão de expectativas; internalização de recursos<br />
expressivos) e, desse ponto de vista, serem consideradas, na acepção de<br />
Weber (2003: 218), comportamento racionaliza<strong>do</strong>.<br />
Desde logo, a intencionalidade e grau de determinação com que a interpretação<br />
é delineada surge evidencia<strong>do</strong> pela forma consistente com que os<br />
desvios expressivos emergem em execuções sucessivas da mesma obra por<br />
um da<strong>do</strong> intérprete (Gabrielson, 1987; Repp, 1992a; Friberg & Batel, 2002).<br />
Por outro la<strong>do</strong>, parecem os desvios refl ectir proporcionalmente a importância<br />
da frase musical em que ocorrem (Gabrielsson, 1987; Repp, 1992a),<br />
marcan<strong>do</strong>, em particular, as fronteiras entre secções (Clarke, 1985, 1988;<br />
Gabrielson, 1987) e, sem prejuízo de variações locais, descreverem padrões<br />
bastante sistemáticos (Repp, 1992a; Clarke, 1988), que se observam quer<br />
na agógica, quer na dinâmica (Clarke, 1985, 1988; Gabrielson, 1987). Essa<br />
consistência está subjacente a modelos expressivos como aqueles avança<strong>do</strong>s<br />
por Todd (1985, 1989a, 1989b, 1992, 1995) e parcialmente confi rma<strong>do</strong>s<br />
pela investigação empírica (Windsor & Clarke, 1997).<br />
Tal grau de sistematização apontaria para uma normalização <strong>do</strong>s desvios<br />
expressivos. Nesse senti<strong>do</strong>, e de acor<strong>do</strong> com Repp (2003: 64), mesmo<br />
quan<strong>do</strong> se solicita aos sujeitos tocar metronomicamente, verifi cam -se desvios<br />
que, embora de menor amplitude, apresentam similaridades com a<br />
interpretação normal, o que sugere a existência de uma variação agógica<br />
residual não intencional que é solicitada pela estrutura musical. É por referência<br />
a essa norma, ainda que parcialmente indeterminada, que Repp<br />
traça a distinção entre o artista e o estudante (embora interpretações muito<br />
próximas da norma seja muitas vezes o caso) – de acor<strong>do</strong> com Repp (2003:<br />
63 -64): “Desvio desta norma exige um esforço cognitivo e imaginação,<br />
enquanto a adesão à norma requer somente competência musical”.<br />
Do ponto de vista da percepção, Repp (2003) mostra, a partir de uma<br />
amostra ritmicamente manipulada <strong>do</strong> Estu<strong>do</strong> de Chopin Op. 10 nº 3, que a<br />
detecção de irregularidades é muito idêntica ao padrão inverti<strong>do</strong> de desvios<br />
<strong>Diacritica</strong> <strong>25</strong>-2_<strong>Filosofia</strong>.<strong>indb</strong> 205 05-01-2012 09:38:30