Diacritica 25-2_Filosofia.indb - cehum - Universidade do Minho
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CÁTIA FARIA<br />
Deste mo<strong>do</strong>, chegamos a um conceito de “pessoa” diferente <strong>do</strong> coloquial. A<br />
um conceito metafísico.<br />
Contu<strong>do</strong>, considera -se, normalmente, que se uma entidade é pessoa<br />
isso implica que há mo<strong>do</strong>s de actuar que podem afectar essa entidade que<br />
estarão moralmente prescritos ou proibi<strong>do</strong>s. Ser pessoa, assim, implica ser<br />
moralmente considerável. Portanto, podemos concluir que há ainda outro<br />
senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> que é ser pessoa, que é um senti<strong>do</strong> moral. As pessoas morais são<br />
os seres moralmente consideráveis [2] .<br />
3. A concepção lockeana de pessoa<br />
Considera -se muitas vezes que o que é distintivo nas pessoas são certas capacidades<br />
psicológicas que elas têm e que as não -pessoas não têm. Haven<strong>do</strong><br />
divergência quanto a saber que capacidades são relevantes para a qualifi cação,<br />
existe algum consenso em torno à ideia de que pessoa será to<strong>do</strong> aquele<br />
ser com a capacidade para vivenciar determinadas formas complexas de<br />
consciência. Um exemplo clássico desta posição é a concepção de Locke<br />
que defi ne pessoa como “um ser inteligente, com razão e refl exão, que consegue<br />
considerar -se a si mesmo como si mesmo, a mesma coisa pensante,<br />
em diferentes tempos e lugares” (Locke, 1975, II, xxvii: 9). Isto signifi ca que<br />
pessoa é aquele indivíduo consciente de si mesmo como uma continuidade<br />
psicológica que persiste ao longo <strong>do</strong> tempo. Isto ocorre graças à existência<br />
de uma consciência refl exiva, uma mente com um conteú<strong>do</strong> consciente<br />
contínuo sobre si mesmo, na qual se unifi cam, através da memória, o reconhecimento<br />
da experiência presente, a experiência passada e a antecipação<br />
<strong>do</strong> futuro. A memória funciona, em Locke, como a base cognitiva da identidade<br />
pessoal, na medida em que dá ao indivíduo a noção temporal de<br />
si mesmo. [3] Sintetizan<strong>do</strong>, a concepção de Locke diz -nos: (i) um ser é uma<br />
pessoa se, e só se, esse ser tem consciência de si mesmo.<br />
É importante notar que esta defi nição admite, à partida, que indivíduos<br />
humanos e não humanos se qualifi quem como pessoas, sempre e<br />
2 O termo “pessoa”, no senti<strong>do</strong> moral, pode ainda ser usa<strong>do</strong> como equivalente a “agente moral”<br />
que, por sua vez, refere indivíduos tais que têm a capacidade para agir basea<strong>do</strong>s em razões<br />
morais ou tais que possuem responsabilidades morais. Uma análise deste senti<strong>do</strong> de “pessoa<br />
moral” está contu<strong>do</strong> fora <strong>do</strong> âmbito deste artigo, uma vez que o que nos interessa aqui é saber<br />
que indivíduos são moralmente consideráveis e não que indivíduos podem agir moralmente.<br />
3 Outros teóricos têm vin<strong>do</strong> a defender critérios diferentes aos de Locke, aceitan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>,<br />
um critério de identidade segun<strong>do</strong> o qual o que nos distingue como pessoas é alguma tipo de<br />
capacidade psicológica. Veja -se, por exemplo, Parfi t, D. (e.g. 1971, 1984) e Shoemaker, S. (e.g.<br />
1970, 1984).<br />
<strong>Diacritica</strong> <strong>25</strong>-2_<strong>Filosofia</strong>.<strong>indb</strong> 36 05-01-2012 09:38:19