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Diacritica 25-2_Filosofia.indb - cehum - Universidade do Minho

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LUZES, CÂMARA OU ACÇÃO? TRÊS ONTOLOGIAS PARA A IMAGEM EM MOVIMENTO<br />

3.1. A <strong>do</strong>utrina da transparência e a realidade metafísica<br />

265<br />

Uma consequência imediata da Doutrina da Transparência consiste em<br />

podermos afi rmar que, se por um la<strong>do</strong>, podemos ter pinturas “de” coisas<br />

que não existem nem nunca existiram (um sagitário, por exemplo), não<br />

podemos ver fotografi as de coisas inexistentes. Mas contra este princípio,<br />

aparentemente consensual, Gregory Currie defende que também na pintura<br />

existe a relação “ser de” que se estabelece entre o retrato e o seu modelo, e<br />

que é tão comprometida existencialmente quanto a relação entre uma fotografi<br />

a e o seu modelo.<br />

Imaginemos o exemplo de uma fotografi a de Humphrey Bogart vesti<strong>do</strong><br />

como Rick Blaine. Segun<strong>do</strong> Currie, só por preconceito (um preconceito<br />

realista?) diríamos que a fotografi a não pode ser uma representação “de”<br />

Rick Blaine. Podemos conjecturar que um tal preconceito também teve<br />

lugar no caso da pintura, mas que, ao longo da história e devi<strong>do</strong> à habituação<br />

às convenções <strong>do</strong> meio ou porque o tempo esbateu a memória <strong>do</strong><br />

modelo vivo, esse preconceito se perdeu. No caso da fotografi a, a crença na<br />

relação de dependência natural ou causal entre modelo e fotografi a pode<br />

impedir que vejamos na fotografi a outra coisa a não ser a representação de<br />

Humphrey Bogart. Mas, se aceitássemos este argumento, quan<strong>do</strong> projectamos<br />

na parede uma sombra das nossas mãos de mo<strong>do</strong> a que aquela parece<br />

representar Rick Blaine, também deveríamos ser obriga<strong>do</strong>s a dizer que são<br />

as minhas mãos que estão representadas na parede e não Rick Blaine, o que<br />

não parece muito plausível. Ou seja, a dependência natural não deve impedir<br />

que uma imagem cinemática represente algo diferente daquilo que ela é,<br />

tal como acontece na pintura.<br />

O adepto da Transparência poderia continuar a insistir na existência<br />

de uma assimetria. Uma pintura pode representar algo diferente daquilo<br />

de que ela é e pode representar algo mesmo sem ser “de” nada. Mas uma<br />

fotografi a tem de ser sempre “de” algo e aquilo de que ela é, é aquilo que<br />

ela representa. Mas o facto de que todas as fotografi as são de algo ao passo<br />

que nem todas as pinturas são de algo não pode servir para legitimar a tese<br />

da transparência porque o mesmo é váli<strong>do</strong> para qualquer signo natural: os<br />

anéis na árvore também são de algo, i.e., da idade da árvore. Mas não deixam<br />

por isso de ser representações da idade.<br />

Em conclusão, apesar de a fotografi a e a pintura apresentarem diferenças<br />

signifi cativas no mo<strong>do</strong> como representam, nenhuma dessas diferenças<br />

será sufi ciente para defender que as imagens cinematográfi cas são transparentes.<br />

Portanto, ao vermos fotografi as ou um fi lme, continuamos a ver<br />

<strong>Diacritica</strong> <strong>25</strong>-2_<strong>Filosofia</strong>.<strong>indb</strong> 265 05-01-2012 09:38:34

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