Diacritica 25-2_Filosofia.indb - cehum - Universidade do Minho
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PODE CALCULAR -SE O CONSENTIMENTO? THE CALCULUS OF CONSENT AOS CINQUENTA ANOS<br />
245<br />
fi cção de um cruzamento com um sinaleiro desempenharia o mesmo papel<br />
de objecto científi co que a <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> na economia. Alain, um pensa<strong>do</strong>r<br />
francês <strong>do</strong> início <strong>do</strong> séc. XX, fez um retrato desse vasto cruzamento sob as<br />
ordens da autoridade:<br />
Se o agente que está encarregue da sinalização quisesse ser justo, interrogaria<br />
uns e outros, deixan<strong>do</strong> passar primeiro o médico e a parteira; de facto<br />
isso seria o cúmulo da desordem e to<strong>do</strong>s fi caríamos descontentes.<br />
O agente também não se preocupa nada em saber quem está apressa<strong>do</strong><br />
e por que motivos; simplesmente ele corta a corrente, realiza uma ordem ao<br />
acaso (Alain 1981: 173) .<br />
Mas não bastam as descrições inspiradas, como as de Adam Smith ou<br />
Alain. Será necessário, primeiro, “traduzir esta fi cção numa álgebra, o que<br />
não deve ser impossível para nossa época onde acabamos de matematizar<br />
as fi las de espera; em seguida, que essa álgebra permita deduções verifi -<br />
cáveis e instrutivas: tu<strong>do</strong> está prepara<strong>do</strong>” (Veyne, 1978: 291 -292). Parece,<br />
pois, que o <strong>do</strong>mínio político, onde os custos de decisão são eleva<strong>do</strong>s e o<br />
número de agentes fantástico e onde, a par de outros bens que são apenas<br />
bens de clubes, existem bens públicos indivisíveis, pode vir a ser o reino<br />
por excelência <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de modelação económica. De facto, as difi culdades<br />
em descrever os resulta<strong>do</strong>s das interacções humanas são tão grandes<br />
que até se utilizam correntemente explicações <strong>do</strong> tipo jurídico. [11] Estamos<br />
tão habitua<strong>do</strong>s às descrições e explicações jurídicas da vida política, que<br />
nos esquecemos que são um esquematismo bem mais pobre que o económico,<br />
na medida em que abstraem bastante mais factores: personalidade<br />
e sequência, motivações, benefícios e custos, sentimentos, etc., tu<strong>do</strong> fi ca<br />
completamente de fora. Dito isto, a teoria de que o esta<strong>do</strong> ou os homens <strong>do</strong><br />
governo executam as suas tarefas dirigi<strong>do</strong>s apenas pelo interesse próprio e,<br />
mesmo assim, cumprem habitualmente a função de prover aos bens colectivos,<br />
não deliberadamente, mas como by -products, de forma não intencional<br />
é bastante estranha. Apesar de tu<strong>do</strong>, a mão invisível que rege o merca<strong>do</strong><br />
tem a sua explicação: o mecanismo <strong>do</strong>s preços transmite informação, em<br />
função da qual um número muito grande de agentes económicos toma as<br />
suas decisões, de tal mo<strong>do</strong> que se mantém o equilíbrio <strong>do</strong> sistema – que<br />
não é sempre um equilíbrio estável, claro. E supõe -se razoavelmente que<br />
11 As explicações jurídicas são <strong>do</strong> género: existe este conjunto de instituições e de leis e, por isso,<br />
as coisas funcionam assim, desde que se aceite o pressuposto de que ‘os homens obedecem às<br />
normas positivas’.<br />
<strong>Diacritica</strong> <strong>25</strong>-2_<strong>Filosofia</strong>.<strong>indb</strong> 245 05-01-2012 09:38:33