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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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esgoto de lama amassada em lágrimas, sabem o bastante para se sentiremapavoradas e enternecidas... Conhecem os velhos moles e viscosos, todas asrepugnâncias e todas as perversões, e da humanidade deve formar-se-lhes nocrânio uma ideia de pavor e de loucura.Para K. Maurício era mais do que isto... Para ele cada criatura se fazacompanhar na vida por outro ser. Por outro ser invisível que no silêncio setorce de dor e que com os nossos actos podemos a todo o momento magoar.Para além das figuras de desgraça ele via outras figuras de dor...Com esta imaginação e este feitio de encarar a vida, devia por força ser elepróprio quem cavasse a sua desgraça. A juventude dos outros espantava-o: aforma como os mais se abriam em risos, tão naturalmente como árvores seenchem de flores, deixava-o amargo. Perguntava-se: terá toda a gente estamesma luta consigo, para se acostumar a viver?... E, no entanto, não era a vidaem si que o torturava: era a desigualdade entre o mundo exterior e a quiméricaimagem que na sua alma construíra... Tudo nele era contraditório. A vida,ainda que aziaga, lhe parecia uma ventura. A ideia da morte perseguia-o. Haviadias em que o ruído de uma folha caindo o sobressaltava, e desde os vinteanos que nunca mais pudera arredar a morte de ao pé de si.Sensibilidade exasperada, fizera-se por imaginação um ser desgraçado, dequem todos deveriam rir. Tinha-se rancor por ser tímido e torto. Exageravatudo, com a mania de acarvoar os mais miúdos pormenores da existência, e

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