fingir que tenho afeições e admirar o que os outros admiram. Resignar-me.Perder o que em mim resta, como num lar que não tarda a apagar-se de todo.Que posso eu ainda ser? Porventura um aguerrido soldado, de coraçãoforte?... Mas já na dura Idade Média, com férreos guerreiros, escalei porsurpresa, nas noites turvas, de unhas cravadas na penedia e respiraçãooprimida, negros castelos no alto de montanhas a pique. Entrei em combatese de um me lembro, em que os rudes campeões, defendendo o território,comungaram ao alvorecer com terra da sua pátria, para assim significar quesaberiam morrer por ela. De outro sei que tinha um amigo e ligados nosatirámos ao ardor da refrega, morrendo juntos, de mãos unidas e sorriso naboca...Dirigir povos? Ser poeta? Ter a banal popularidade e forçar a admiraçãodos meus inimigos? Calcá-los aos pés, insultá-los, dizer-lhes com rancor: —Venci?... — Mas tudo isso o sonhei já e mais, visto que criei e fui Deus.Depois, a época é banal. Cada um tem de reduzir o seu sonho, de o tornarmedíocre e de se sujeitar, para vencer, a sorrir com a multidão ignara; demisturar o seu egoísmo a todos os egoísmos, e por último, confesso-o, aminha energia, consumi-a a tecer, os meus nervos estão gastos de arquitetarquimeras, o meu cérebro e o meu coração puídos de tantas coisas aquecerem...De forma que descer para a realidade é uma tortura, tão pequena e tãoaborrecida a encontro.
A razão! Só a razão fria, gelada, é que eles admitem. E a intuição, porquenão? Pois não é como se um homem se servisse apenas de uma das mãos,tendo duas? Não será incompleto tudo quanto fizermos apenas com umaparte da nossa alma?A razão não basta, a razão tem sido educada, arrastada, habituada a seguir arotina, a andar pelo velho caminho árido e seco. A maravilhosa intuição é quepor vezes nos vale para arrancarmos um pedaço ao desconhecido.Para quantas criaturas esta vida exterior, fingida e nula, não é apenas umtrabalho de forçado, com a grilheta na imaginação? Quantos desgraçadosnunca encontraram na vida nem o amor, nem a amizade e se refugiam nosonho?Conheci um poeta pobre que em vez do amor tinha de se contentar com asmulheres perdidas. A sua poesia era cheia de febre e de aspiração: as criaturaspálidas e sonhadoras que passavam nos seus versos pertenciam ao céu — e, àsnoites, amava as mulheres perdidas. Fazia-as soltar os cabelos, dizia-lhespalavras de paixão. Chorava verdadeiras lágrimas.O estupor da vida que nos encharca a alma de quimeras, para as nãopodermos realizar; que nos dá a imaginação — e a vida prática; que nos deixasonhar, para depois nos atirar das estrelas à terra! E porquê? Para quê? Quecrime cometi eu, Senhor, para que tu a cada momento me castigues, a cada
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PREÂMBULOA cada passo se formam po
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Outro momento e tudo isto desaparec
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Aos que se alimentam de sonho chega
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esgoto de lama amassada em lágrima
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feitio de encolhido, gestos desajei
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Mas ponho-me a pensar: Que importa
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contacto com o mundo. Cheio de entu
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Ninguém bulia. Que quimera doloros
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Morrer é não sentir, não ver, n
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CAPÍTULO IA CASA DE HÓSPEDESSingu
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Vocês todos têm pensado na vida d
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— Desaforado... Cite factos, ench
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grande, como um pintor que na febre
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E ele, descendo as escadas, com jú
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Tomado de respeito por tanto saber,
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E assim as casas, as paredes e as c
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CAPÍTULO IIHALWAINUm grito, um gri
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mesquinho, impotente, tenho a certe
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CAPÍTULO IIICAMÉLIARompeu a sinfo
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de cetim escarlate ou verde, calvos
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Calábria, e porventura amado por u
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E tudo na treva é fantástico. Uma
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A sua timidez era enorme — maior
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O Gregório estoirava. Fora sempre
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— Como mulheres deitadas, de enor
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— Pode cair o pano!Esta estranha
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E ele confessou a tremer:— Amo.O
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