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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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Acontece-me às vezes não ver um amigo dois meses: quando outra vez oencontro, é para mim um desconhecido.Suspendem-se na minha alma teias de aranha, como num cubículo de hámuito abandonado. Não sei o que hei de fazer. É um tédio vago, feito denévoa alastrada, que só foge com a vinda da noite, para que vou desesperadocomo para um princípio de cova, um começo do mistério do não-ser.Aborreço-me a mim próprio, depois de ter aborrecido tudo: fico absorto, sembulir, desesperado por não sentir, nem pensar.É por isto que eu fujo de conversar.Não é por ser comediante que nunca digo o que penso e o que sinto.Também nunca oiço o que os outros dizem, e, enquanto finjo escutar atento,penso em ti — vivo para ti... Assim, o que digo são restos de frases, palavrasque eu trago na cabeça. E da conversa saio sempre humilhado e irritado...Às árvores, para dar flor há de lhes doer.Ando a passear na vida uma imaginação desgraçada, que me faz achar tudopequeno na realidade. É assim que por imaginação tenho sofrido tudo esentido tudo: portanto, se uma desgraça cai sobre mim, ou se vouentusiasmado para um prazer, acontece-me amiúde ter um — era só isto! —de espanto. Tanta vez tenho assistido à minha perda e à dos outros, aescarlates quimeras, que ser morto ou ser rei, enforcado ou carrasco, não meespicaçaria com novas sensações. Estou gasto e velho, porque, sem — ó

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