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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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No silêncio tumular do Palácio os passos do Rei ecoavam pelos corredoresdesertos, lentos ou precipitados, conforme o pensamento tenaz que odevorava, gastando pouco a pouco as lajes duras do chão. Não podia amar.Nem a voluptuosidade, nem o ideal, nem o amor, nem a carne láctea dasmulheres: tudo lhe era vedado. Horas atrás de horas se ouviam no Palácio ospassos do Rei doente, toda a noite, toda a noite a rondar...Sucedeu que veio a primavera e todas as árvores, para lá do territórioassolado, estremeceram e se cobriram de flor. Borboletas nascidas do seuhálito noivavam no azul, e dois mendigos amorosos, de países lendários,entraram e perderam-se naquela terra praguenta, ela envolta na poalha doscabelos louros, ele feliz e esbelto, preso ao seu olhar. Eram pobres. E assim,apenas vestidos, vieram enlaçados com a primavera cobrindo a terra erma quecalcavam de vida e de amor. Eram pobres e felizes. Flores esvoaçavam pelasua nudez, e as macieiras dos quintais deitavam galhos fora dos muros, depropósito para os ver passar.Azul, sonho, entontecimento, toda a atmosfera estremecia. Só o Rei noPalácio deserto vivia braço a braço com a dor. A vida, a luz, as árvoresenojavam-no. Queria todo o país negro, deserto e escalvado; e o amor quetrespassava a terra e os bichos, a própria morte que tudo transforma, lhepareciam abominação e afronta. Odiava a vida. Mas deitava-se e sentia palpitaras fragas: os montes eram seios duros, as árvores cabelos ao vento. Para nãover, encerrava-se no Palácio construído de um bloco de pedra, e sozinho

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