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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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Eu estou doido! A minha vida é uma contínua humilhação em busca deuma quimera. Depois pergunto-me: Para quê? É que vale a pena? Não meengano? Quem me diz a mim que não sou tão nulo como os outros,absolutamente como os outros?... Enregelo-me só de pensar em tanto esforçoperdido, se penso que trabalho para que os outros tenham pena de mim.Como eu os odeio! Com que risos, que me fazem doer as faces, não os escutocontar-me como triunfam! Para que consintam que eu tenha valor, lhes sorrio,com fel na alma, a boca seca: humilho-me, encolho-me, não tenho opinião edepois a sós enraiveço-me. A voz cá dentro começa a acusar-me: Para que tehumilhas, besta? E diz-me como sou vil, mostra-me a minha alma mesquinhae a sangrar... Depois, esta mesma certeza de nulidade faz com que eu meponha a pensar na morte deles, um a um, ou em fugir para muito longe: nuncamais ver ninguém que por mim mostrasse um interesse, que eu sei fingido,uma amizade que me enraivece, porque se parece com a compaixão...Eu não compreendo a amizade assim, nem o amor assim. Parece-me geladoe faço sempre até da secura uma paixão. A piedade que tenho pelos bichosestende-se até às duras pedras dos caminhos. Acredito que tudo sofre, quetudo tem alma e emoção — as árvores, as criaturas e os calhaus. E até, sabeio,já uma vez me aconteceu ter lágrimas pela sorte de uma pedra que nemminha conhecida era.Muitas vezes me parece que sou composto de duas criaturas: uma cheia deemoção, sendo capaz de correr perigos para salvar um bicho da morte, outra

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