Desolação infinita destas noites de invernia brava, com o mugir da águaescura e o mar a buzinar na costa. Todos se deitam cedo, e eu encosto a testa,a escaldar de febre, aos vidros da janela... Como ninguém me conhece! Comoeu próprio me conheço mal!... Deus! E uma cova negra, de infinito, diante demim... Só o mar brame numa tristeza que me faz chorar...Passo o dia a espancar o pressentimento de uma catástrofe e é singularcomo a desgraça me aproxima dos desgraçados. A desgraça não isola como afelicidade. Eu faço parte da legião dos que sofrem e não é por mim só que eufalo nem sinto: vejo a desgraça em tudo. É que em tudo acarvoo e só mesossega o sonho, construir outra vida imaginária. E como um espinho aespicaçar-me persiste, até que me enche, por fim, uma amargura infinita, umadesolação, que esta noite de ao pé do mar, a água escura, a ventania revolta,mais acarvoam, com o meu destino, a minha sorte, o meu futuro assimnegro...Na vida eu não tenho senão, não direi amigos, mas pessoas por quem meapaixono e inimigos. Nunca indiferentes.Porque é que eu faço de propósito coisas que fazem sofrer? Que prazerencontro nos espinhos que me dilaceram?... E o pior é que eu sou diferentedos solitários que só se ciliciavam a eles: sou diferente porque sofro e façosofrer os outros.
Oh, os meus amigos! Eis que hoje, porque um deles é feliz, me ponho araciocinar sobre a amizade, e muitas coisas que sentira sem saber exprimi-las eque lera sem saber compreendê-las, me aparecem agora nítidas. É que eu jáalguma vez me alegrei com a felicidade de um amigo? Que é que senti, senãoesta alegria exterior, adquirida e ensinada, quando alguém com quem vivo éfeliz? Inveja ou raiva — e sorrio, a boca seca, o olhar perdido numa quimerade desastres e de amarguras... E no entanto sinto a necessidade de me dedicar,de amar, de sofrer com a dor alheia. É isto afinal: eu só sou amigo dos outrosquando eles sofrem, e preciso que me sejam inferiores, que sejam perseguidospela desgraça, para eu os amar.Que os indiferentes ou os meus inimigos sejam jovens, belos, ricos, que meimporta? Mas que aqueles que vivem comigo sejam mais felizes do que eu,tenham mais talento, calquem a minha vaidade a todos os minutos e mevenham contar, para eu me alegrar, os estúpidos!, como são felizes, enraivecemee faz-me sofrer. Quem odeio são os meus amigos — se triunfam...E isto obriga-me a pensar nos desgraçados e nos grotescos, na dor dosimpotentes, na miséria dos que têm de ser nulos toda a vida; neste roer dainveja, que enche de rugas, que entorna fel na alma e faz das noites ummonologar contínuo, cortado de ilusões e de quedas, e da vida um desespero.Que livro, o livro de um incompleto, que narrasse a sua ambição e os seusódios, que estatelasse com orgulho toda a sua alma, para que os outros serissem da sua impotência! Revoltante e humano, surpreenderia pelos recantos
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Aos que se alimentam de sonho chega
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esgoto de lama amassada em lágrima
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feitio de encolhido, gestos desajei
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Mas ponho-me a pensar: Que importa
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contacto com o mundo. Cheio de entu
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Ninguém bulia. Que quimera doloros
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Vocês todos têm pensado na vida d
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— Desaforado... Cite factos, ench
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grande, como um pintor que na febre
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E ele, descendo as escadas, com jú
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Tomado de respeito por tanto saber,
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Cada ano, em Abril, a procissão do
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SANTA EPONINASanta Eponina era tão
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Como soube que nas concavidades dos
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Oh como a noite é grande, imóvel,
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matilhas esperá-la à beira dos ca