A verdade é que a minha alma é seca como uma pedra, e não é pelos outrosque choro, é por mim.Digo estas coisas nem sei bem porquê: é como se no fundo do meu seralguma voz murmurasse as palavras que repito. Às vezes surpreendo-me adizê-las, a fingir sentimentos, a mascar frases que já ouvi. Comédia! O quedentro de mim murmura é aprendido, ensinado, visto que não sinto. Ainda heide espancar tudo quanto em mim é fingido e mostrar-vos depois a minhaalma, a sangrar, cheia de ódios, viscosa, mais viva... Isto é tudo fingido.Outrora eu me supunha desgraçado por ver que em troca do amor, da paixãoque punha nas mais miúdas coisas da vida, em todos os sentimentos que,exasperado, engrandecia, não encontrava senão cansaço ou afetos que mepareciam gelados. Depois pus-me a pensar: mas eu é que sou doente, e a vidafoi-se às ilusões, arrancou-as e deixou-me a alma nesta secura.O amor e amizade que procurava não existem, nem podem existir, eu bemo vejo agora. Era tudo falso, aprendido, inventado. (Mas esta invenção é aindaa única coisa boa da vida para mim. E as lágrimas que chorei, tenho pena de jáas não chorar, e tudo o que sofri sobre as minhas ilusões mortas, quem modera sofrer ainda!...)Como a vida me repele, cada vez mergulho mais fundo no sonho. Sonhomais, sonho acordado. Ando aos tropeções na vida.
O sonho é o único refúgio que me resta. A amizade é uma mentira, a vidafere- me? Reentro no sonho. O amor é grosseiro? — tenho Hélia, que criei, àminha espera...Na minha alma é tudo vago e inacentuado, como nos dias cinzentos denévoa...Tudo é ilusão e mentira. As árvores que eu amo sobretudo na terra, ascoisas e as criaturas, são ilusões: a gente é que as cria, as faz belas ou tristes,sofredoras ou hirtas; a morte e a vida, transformações que para nadaimportam; o homem, uma quimera com ânsia na alma...Portanto só o sonho nos resta e só por ele vale a pena viver.No fundo do meu ser se amontoou um grande, um profundo asco pelascriaturas. Sob a máscara da virtude encontro o egoísmo e a vaidade. Acho quesó vale a pena dominar, conduzir a multidão estúpida e ignara, para passar avida e esquecer esta luta continuada de exasperos e de aspiração que na almade cada um se debate. Mas se vou a lutar pergunto-me com tédio: Para quê?...E há dias em que tenho pena de não sofrer como outrora... Horas e horasaperto a cabeça nas mãos e pergunto-me raivoso: mas que ideia faço eu demim e da vida? Que é que eu significo?Encontro a dor no fim de tudo. Não vou para um prazer sem pensar nofim, na desgraça que em tudo se aninha, no tédio de ter realizado... E naminha alma se fez pouco a pouco um grande vácuo, um amargo tédio por a
- Page 2 and 3:
A MORTE DO PALHAÇORAUL BRANDÃOEst
- Page 4 and 5:
PREÂMBULOA cada passo se formam po
- Page 6 and 7:
Outro momento e tudo isto desaparec
- Page 8 and 9:
Aos que se alimentam de sonho chega
- Page 10 and 11:
esgoto de lama amassada em lágrima
- Page 12 and 13:
feitio de encolhido, gestos desajei
- Page 14 and 15:
Mas ponho-me a pensar: Que importa
- Page 16 and 17:
contacto com o mundo. Cheio de entu
- Page 18 and 19:
Ninguém bulia. Que quimera doloros
- Page 20 and 21:
Morrer é não sentir, não ver, n
- Page 22 and 23:
CAPÍTULO IA CASA DE HÓSPEDESSingu
- Page 24 and 25:
Vocês todos têm pensado na vida d
- Page 26 and 27:
— Desaforado... Cite factos, ench
- Page 28 and 29:
grande, como um pintor que na febre
- Page 30 and 31:
E ele, descendo as escadas, com jú
- Page 32 and 33:
Tomado de respeito por tanto saber,
- Page 34 and 35:
E assim as casas, as paredes e as c
- Page 36 and 37:
CAPÍTULO IIHALWAINUm grito, um gri
- Page 38 and 39:
mesquinho, impotente, tenho a certe
- Page 40 and 41:
CAPÍTULO IIICAMÉLIARompeu a sinfo
- Page 42 and 43:
de cetim escarlate ou verde, calvos
- Page 44 and 45:
Calábria, e porventura amado por u
- Page 46 and 47:
falavam com os outros artistas, e e
- Page 48 and 49:
E tudo na treva é fantástico. Uma
- Page 50 and 51:
irrealizados, as ilusões que flutu
- Page 52 and 53: A sua timidez era enorme — maior
- Page 54 and 55: viveres — e a realidade obriga-te
- Page 56 and 57: O Gregório estoirava. Fora sempre
- Page 58 and 59: — Como mulheres deitadas, de enor
- Page 60 and 61: — Pode cair o pano!Esta estranha
- Page 62 and 63: E ele confessou a tremer:— Amo.O
- Page 64 and 65: — Porque não experimentas tu as
- Page 66 and 67: Não sei bem que impressão amarga
- Page 68 and 69: E o Pita, sabedor da vida e de todo
- Page 70 and 71: Todo o vasto circo cheio de ruído
- Page 72 and 73: A seguir Lídio trabalhou. A toda a
- Page 74 and 75: tarde para a recomeçar! — E era
- Page 76 and 77: trapézio tecendo com os braços a
- Page 78 and 79: O Diário de K. Maurício é consti
- Page 80 and 81: comigo um dos múltiplos seres de q
- Page 82 and 83: — coveiro que anda a abrir a pró
- Page 84 and 85: Desolação infinita destas noites
- Page 86 and 87: inéditos de alma, se dissesse toda
- Page 88 and 89: Ao contacto da vida cada vez me deg
- Page 90 and 91: Eu estou doido! A minha vida é uma
- Page 92 and 93: os outros, de tanto escutarem, vão
- Page 94 and 95: desgraça! — ter vivido, tudo viv
- Page 96 and 97: opalino, por um azul do céu que os
- Page 98 and 99: estremece, de tal maneira que me qu
- Page 100 and 101: Sensibilidade exasperada, com ímpe
- Page 104 and 105: vida ser só isto, por o sol brilha
- Page 106 and 107: é vã como os berros daquele bêba
- Page 108 and 109: árvores com grandes cabelos verdes
- Page 110 and 111: ir encontrar no infinito, pois que
- Page 112 and 113: uma fonte... Andei, era a hora: lá
- Page 114 and 115: fingir que tenho afeições e admir
- Page 116 and 117: instante me faças tropeçar e faze
- Page 118 and 119: 3ª PARTEOS SEUS PAPÉIS(Contos e t
- Page 120 and 121: Esta feição, que transparece na p
- Page 122 and 123: A LUZ NÃO SE EXTINGUEUma luz que s
- Page 124 and 125: cada vez mais. O padre senta-se num
- Page 126 and 127: O MISTÉRIO DA ÁRVOREEsgalhada e s
- Page 128 and 129: ficava então de olhos postos na á
- Page 130: Só a árvore esgalhada e seca o pr
- Page 133 and 134: Supunha-se no país que ele se form
- Page 135 and 136: Cada ano, em Abril, a procissão do
- Page 137 and 138: avança a fila dos noivos, branca e
- Page 139 and 140: SANTA EPONINASanta Eponina era tão
- Page 141 and 142: Como soube que nas concavidades dos
- Page 143 and 144: Oh como a noite é grande, imóvel,
- Page 145 and 146: matilhas esperá-la à beira dos ca