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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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cada vez mais. O padre senta-se num banco puído, ao meu lado, com aquelear meditativo dos seres habituados ao silêncio e à sombra. Ao pé do altarestão duas mulheres amachucadas como trapos, duas nódoas mais escuras natreva opaca da capela.A luz amortece e crepita. Vai morrer. A luz vai morrer! Mas do altar umfarrapo negro de mulher ergue-se; do farrapo saem mãos esguias que tocam alâmpada e a luz reacende-se. Recuam as trevas e o vulto ajoelha-se numa precebalbuciada. Não distingo as feições nem sequer os traços das figuras.Confundo o ser que sofre ao meu lado com o outro que há séculos acendeupela primeira vez a lâmpada. Confundo com a dor a sombra que se destacouda sombra e ergueu lentamente os braços. A dor não morre. O que não morreé a dor! Tenho-a aqui presente. A dor não data de há oitocentos anos, mas desempre. Tão antiga como o homem, nossa eterna companhia, dura e benéfica,caminha connosco e ao nosso lado.Agora o drama insignificante cessou, e não me interessa a lâmpada, nem avelha capela glacial, nem as mulheres amarfanhadas suplicando. O que meinteressa é a continuidade da dor. Sempre a dor! A de há séculos e a de hoje, aque acendeu pela primeira vez a lâmpada e a que a não deixou apagar-se.Sempre este grito sufocado, o gesto repetido, as mãos erguidas e o chorocorrendo desde que o mundo é mundo. Pelo amante ou pelo filho? PelaPátria? Pela dor ignorada dos seres que a vida calca, pela ânsia que nos devora,pela aspiração tão inerente à alma como o pólen à asa, para voar. A dor nunca

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