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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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A verdade é que a minha alma é seca como uma pedra, e não é pelos outrosque choro, é por mim.Digo estas coisas nem sei bem porquê: é como se no fundo do meu seralguma voz murmurasse as palavras que repito. Às vezes surpreendo-me adizê-las, a fingir sentimentos, a mascar frases que já ouvi. Comédia! O quedentro de mim murmura é aprendido, ensinado, visto que não sinto. Ainda heide espancar tudo quanto em mim é fingido e mostrar-vos depois a minhaalma, a sangrar, cheia de ódios, viscosa, mais viva... Isto é tudo fingido.Outrora eu me supunha desgraçado por ver que em troca do amor, da paixãoque punha nas mais miúdas coisas da vida, em todos os sentimentos que,exasperado, engrandecia, não encontrava senão cansaço ou afetos que mepareciam gelados. Depois pus-me a pensar: mas eu é que sou doente, e a vidafoi-se às ilusões, arrancou-as e deixou-me a alma nesta secura.O amor e amizade que procurava não existem, nem podem existir, eu bemo vejo agora. Era tudo falso, aprendido, inventado. (Mas esta invenção é aindaa única coisa boa da vida para mim. E as lágrimas que chorei, tenho pena de jáas não chorar, e tudo o que sofri sobre as minhas ilusões mortas, quem modera sofrer ainda!...)Como a vida me repele, cada vez mergulho mais fundo no sonho. Sonhomais, sonho acordado. Ando aos tropeções na vida.

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