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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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Ao contacto da vida cada vez me degrado mais. Fujo para o sonho com um«ah!» de satisfação... E há dias em que me enlameio na vida para me encharcarcom mais alegria no sonho.Fecho as janelas e as portas — fecho tudo — porque só a noite é propíciaao sonho — e reentro na minha vida habitual, na única em que me sinto viver,em que sou rei e amado, com os fantasmas que criei e que vivem na minhacompanhia. Até as paisagens de sonho me parecem mais belas que as darealidade.Já vivi numa cidade construída de restos de sonho que uma ventania deloucura atirara para a planície, como nuvens aglomeradas num fundo azuladode tempestade.(Às vezes os meus sonhos riscam-se de carvão, mordem-se de delírio — ehá fisionomias que depois encontro na vida e que já vi com linhas diferentesque as desfiguravam. Na rua surpreendo às vezes olhares de quem meconhece, logo reprimidos...)Era uma cidade edificada ao pé de uma laguna vítrea como o olhar de ummorto: água gélida e polida ao fundo da planície, que nenhuma charrualavrara, Nínive construída de uma só pedra enorme e negra....Sei que a multidão, no silêncio e no negrume, arrancava de súbito emcorrerias pelas ranhuras esganadas das ruas, sem destino e sem sentido.Curvada, numa dor contida e atroz, sumia-se na noite e deixava um risco de

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