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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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(E no entanto, o que eu tenho é um medo enorme da morte... Posso fugir,procurar esquecer, ler os meus filósofos, que o terror da morte não me deixa.Descarnada e triste, encontro-a no fim de tudo, em todas as coisas. Até estegalho de macieira, tão coberto de floração que me enternece, a própriafecundidade, a minha emoção, ma fazem lembrar. Confesso-o, confesso-o,tudo é vão, filosofias, palavras, sistemas!... Só existe uma única coisa boa:viver, viver!...)Quem me dera a mim, em lugar de uma criatura levada pelas rajadas dosnervos como por desencontradas ventanias, ser um homem de emoçãosempre igual e sempre pronta. Deveria na minha vida ter tido uma grandedesgraça que me afastasse deixando- me mais forte e sozinho: teria um quintalcom uma grande árvore, e aí, com os meus filósofos, construiria um sistemapara o meu uso, com pena da humanidade e lágrimas e emoção diante de tudo— das árvores e dos bichos. E quando morresse seria enterrado ao pé daárvore (porque o cemitério ainda me desvaira mais do que a morte) e ajudá-laiaa crescer, a pôr mais flor e mais galhos.Ponho-me a ver e no fundo do meu ser não encontro senão egoísmo evaidade. Se sou bom é por vaidade e por comédia: represento para me enganara mim e aos outros. Quando uma doença ou a morte dos outros me torcem osnervos, porque é que tenho pena, canalha? É porque me vejo logo a mim,estendido, doente, morto...

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