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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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instante me faças tropeçar e fazer parte do infinito e das ruas da cidade, da ViaLáctea e da multidão?...Há dias em que acordo não sei para quê. Vejo as mesmas caras, os mesmoscorações, a mesma luz. Fugir, só se for para a morte, visto que não tenhoforças para me refugiar num grande trabalho ou num grande ideal que meabsorva.Resta-me isto: habituar-me à vida, habituar-me a ponto de não ouvir, denão ver, habituar-me até a aplaudir. Roçar-me pela vida prática até ficar, aoseu contacto, idêntico a todos. Encher a alma de palavras, de frasesaprendidas, de sentimentos falsos, de crenças usadas e banais. Ser toda agente. Sorrir ao que os outros sorriem, admirar o que eles admiram... E noentanto, se me vejo assim, se me visiono daqui a anos assim — recuo depavor... Ali está sobre a mesa a pistola aperrada. É melhor morrer, estoirar océrebro, onde resta ainda um vestígio de sonho, do que acabar daqui a anos,esvaziado e grotesco como uma bexiga rota...É certo, porém, que não é sem um sentimento de piedade por mim próprioe lágrimas que eu deixo a vida. Por duas vezes senti já o anel de ferro dapistola no crânio; por duas vezes o braço me caiu cansado e inerte. Espera...Quem vivesse mais alguns anos a ver... Talvez que este sentimento deaspiração seja um presságio. Poderás ainda realizar, ver a quimérica felicidade.

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